Alienação
É enlouquecedor estar por dentro do que está rolando o tempo inteiro, especialmente quando vivemos em meio ao caos político e social em meio a uma pandemia, com nazismo voltando à tona e uma brutalidade racista por dia invadindo o noticiário. Difícil viver no século 21 sem eventualmente se desligar dessa insanidade compartilhada que chamamos de sociedade. Alienação é necessidade fisiológica!
Ao contrário do que prega a sabedoria popular, não entendo como pode ser possível se alienar assistindo BBB. Poucas coisas exigem tanto compromisso e envolvimento emocional quanto acompanhar esse reality show. Quem assiste leva muito a sério o que acontece ali. Sem falar que sincronizar com milhões de pessoas que estão assistindo à mesma coisa me parece bem o oposto de se alienar. Alienado está quem não assiste, que não entende nada do que as pessoas estão falando e fica de fora do assunto do momento.
Na origem da palavra, em latim, alienar tem o sentido de tornar-se um Outro, um estrangeiro. É quem não entende, quem está de fora, quem não fala a mesma língua nem compartilha das mesmas referências. Um alien.
Alienação mesmo é se desobrigar de acompanhar o que está TODO MUNDO acompanhando, especialmente quando esse “todo mundo” tem critérios bem duvidosos sobre entretenimento.
A forma mais barata e acessível de alienação que conheço é voltar meus olhos para dentro e me refugiar no lugar virtual que construí no interior profundo da minha cabeça. Ali tenho o poder de fazer rodar qualquer imagem, construir fantasias de qualquer tamanho e ter conversas imaginárias que nunca verão a luz do mundo externo.
Chamo esse lugar virtual que serve apenas 01 pessoa de mundo da gelatina. Ir para o mundo da gelatina é quando crio essa barreira gelatinosa ao meu redor para me desconectar do mundo externo e onde posso ficar imersa apenas nos meus próprios pensamentos.
Visito muito esse lugar para escrever. É como frequentar uma biblioteca portátil, onde as vozes sufocantes do lado de fora não entram, com a vantagem de ter uma vasta coleção de ideias e palavras para consultar. Recomendo a experiência!
Usei o óculos do Zuckeberg and I Regret Nothing
Minha primeira experiência com um óculos de realidade virtual foi mais divertida do que eu gostaria. Eu não quero gostar de NADA que o Zuckeberg ponha a mão. Uso os aplicativos dele diariamente? Uso, mas odiando cada minuto! Como qualquer pessoa que reclama da lógica nefasta das redes sociais, mas continua lá, nem que seja só consumindo o que é postado.
Dito isso, usar esse óculos foi uma experiência estranhamente mística. Para entrar, é preciso benzer o solo, encostando os controles no nível do chão. Depois, você desenha um círculo guardião ao seu redor. Uma barreira espiritual, que não está realmente lá, mas quando você entra no outro mundo delimita uma área segura onde você pode ficar. Você se sente meio ridícula, mas uma vez engolida pelo mundinho de mentira que existe lá dentro, é impressionante o quão rápido você se acostuma e ACREDITA nas imagens que só você está vendo.
A primeira coisa que vi foi um elefante passar ao meu lado. Precisei levantar a cabeça para olhar o bicho. Minhas pernas tremeram. Depois tive que virar o corpo para ver, atrás de mim, outro elefante imenso olhando para mim. Aí que me caguei toda. Mesmo sabendo que aquilo não era real, que estou sendo enganada pelos meus sentidos, experimentei o perigo de forma física, nesse impulso de fugir. Ridículo mesmo é o ser humano ser esse bicho tão fácil de enganar.

Com pouco de tempo de uso, percebi que muito facilmente seria sugada para dentro dele. Ser teletransportada para dentro de um vídeo-game: esse é o futuro que eu quero desde a época em que eu assistia ao programa de games do Gugu e achava o máximo as crianças ENTRAREM nos cenários dos jogos. Agora isso é possível sem precisar de truques baratos com chroma-key!
Já estou há muito tempo construindo uma vida numa realidade virtual para me espantar com o novo nível de imersão alcançado. Pensa bem, o metaverso já existe há tempos. Não foi algo que uma minhoca-humana disfarçada de milionário inventou.
Mais de década tem um avatarzinho meu circulando pelas praças desse mundo digital, capinando o mato, pregando em cima de um palanque de caracteres, vendendo arte na calçada. Tenho amigos que só chamo pela arroba. Essa realidade já não é virtual pra caramba?
Passo o dia falando com gente que não está no mesmo espaço, navegando em cenários artificiais e personagens construídos que afetam minha vida de modo muito real. Quer você goste ou não disso, vivemos numa realidade virtual não é de hoje. Acho que esse trem já partiu, é um caminho sem volta. Só os acessórios são opcionais.
Passatempos virtuais
🤖 Robôs podem inspirar quem escreve (enquanto não roubam seu emprego): este site cria narrativas por inteligência artificial: você joga duas palavras (em inglês), a máquina te devolve a premissa de uma história.
👾 No grupo dos Valekers, a Van Magenta compartilhou este site onde você joga um texto e ele te devolve uma IBAGEM gerada por inteligência artificial. A imagem psicodélica abaixo foi gerada a partir do título do meu livro. Mas louca mesma foi a obra de arte que apareceu para o trecho “Eu não quero gostar de NADA que o Zuckeberg ponha a mão”, abra por sua conta e risco.
👽 Um jogo ótimo para se alienar é este de construir uma cidade no meio do oceano, que achei na newsletter do Vinícius Linné. Dá para se perder por horas soltando seus dotes arquitetônicos enquanto medita com os sons da gaivota e dos predinhos coloridos brotando sobre a água. Não ficou uma gracinha o caos que eu construí?
Leitores de muito bom gosto


Para não dizer que sou total alienada, a diferentona que não segue de jeito nenhum o que TODO MUNDO ESTÁ VENDO, segue a lista de hypes nos quais embarquei ultimamente.
Série da vez: Euphoria
Dizer que essa série me VICIOU configura piada de mau gosto? Assim como em Cobra Kai, retrata a realidade de uma cidade onde não tem UM conselho tutelar para proteger esses adolescentes que vivem se metendo em crimes diversos e fitas de alta periculosidade. No início lembrei muito de Kids, que nos selvagens anos 90 era considerado um filme “proibidão”. Você lembrava que a Rosario Dawson aparecia nesse filme? Pois eu não! Bem, Euphoria não deixa dúvidas para o telespectador: ser jovem é uma bosta. Pior ainda ser jovem na realidade das redes sociais. Mas tão bonito os glitter.
Livro da vez: a biografia do homem
Tem Lula, mas vai além. Fala das perseguições na ditadura, dos movimentos sindicais, de como nasce o PT. Cheio de fotos, inclusive das cartas que Lula mandou na prisão em Curitiba. A que eu mais gosto é a que ele pede a alguém para pesquisar e tirar umas dúvidas que ele teve ao estudar sobre a Revolução de 1817. “Tente verificar por favor? Eu não tenho como!” Deve fazer falta dar um Google.
Mania da vez: o jogo term.ooo
É assim: todo dia uma palavra diferente. Cinco letras, cinco chances de acertar. Cada erro é uma dica. Aquele breve momento do dia para pensar uma letra por vez. Desafiar meu vocabulário e minha capacidade de combinar possibilidades. Me desesperar a cada letra errada. Xingar quando não descubro a desgraça da palavra. Olhar quadradinhos coloridos na timeline do Twitter e saber de pessoas que estavam pensando, por alguns segundos, na mesma palavra que eu.
Tire as crianças da sala: saiu episódio novo de Bobagens Imperdíveis e segundo relatos está de arrepiar. Parto numa investigação seríssima sobre uma questão pouco estudada pela ciência: como as sereias gozam?
Busque na sua plataforma favorita ou ouça aqui!
Um beijo e até a próxima edição,
Aline.
amei o conceito de mundo da gelatina e todo o resto, como sempre <3
Curiosidade: os óculos não são do Zuckerberg de verdade. Como quase tudo na vida dele, foi criado por outras pessoas e ele de alguma forma, nesse caso específico pagando $2B, adquiriu posteriormente e chamou de dele. O Facebook em si tem uma história parecido de apropriação mas mais nefasta.