Na noite mais decisiva, um grande amigo me escrevia sobre a possibilidade de um futuro em que o povo pudesse se unir em torno da mesma bandeira. Respondi a ele que não sabia se as contradições desse país, bonito e brutal na mesma medida, coubessem debaixo de uma mesma bandeira. Eu estava envolta em névoa. A mesma névoa que pareceu envolver tudo desde aquela noite em 2018, em que soltavam fogos enquanto o então presidente eleito falava de metralhar a oposição. A mesma névoa que cobriu nossos dias enquanto testemunhamos o Brasil encolher, dia após dia, até parecer não nos comportar mais. Assistimos ao nosso País encolher moralmente, encolher de possibilidades, encolher de fome, encolher numericamente, enquanto perdíamos tantas pessoas para uma pandemia que foi usada como arma pelo governo contra seu próprio povo. Vimos a perversidade, a burrice e a falta de compaixão tornar o Brasil tão minúsculo quanto os homens que o governavam. A névoa embaçava os sentimentos, sufocava. A névoa parecia ser tudo o que existia. E então, na noite mais decisiva, começou a se dissipar.
Foi como poder voltar a respirar.
Não que o caminho diante de nós vá ser fácil. O navio está despedaçado e estamos à deriva em alto mar, segurando-nos como podemos aos destroços. Ainda há monstros debaixo d’água. Náufragos, vamos ter que remar muito para sair da tormenta de vez. Mas, ao menos, subimos à superfície para tomar fôlego. Respirar parece o básico, mas é uma enorme vitória diante de um homem que se divertia enquanto tantos de nós sufocávamos.
Entre tantas palavras que serviram de boias salva-vidas nos últimos dias, lembro de um discurso muito bonito da atriz Denise Fraga durante a campanha de Lula. Ela lembrava que as palavras estampadas na bandeira brasileira, “Ordem e Progresso”, vieram do filósofo Augusto Comte: “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”.
Talvez — ela especulou — tivessem deixado o amor de fora da bandeira porque parecia algo tão básico, tão fundamental, que estivesse ali habitando nas entrelinhas. Mas vimos que nem sempre o amor é tido como princípio.
Vimos que, sem amor, a ordem é autoritária, o progresso, destrutivo. Sem amor, até mesmo a religião, a espiritualidade, torna-se uma forma de exercer a violência. Então sim, mesmo o que é básico, o que é óbvio, precisa ser expresso.
Tem quem ache brega falar de amor, ou ache que se restringe a relações românticas, uma palavra que se destina a apenas uma pessoa. É de uma pobreza ter uma visão tão restrita do amor. Mas amor é o que nos torna humanos.
Quem tem amor não acha ok pessoas passarem fome. Quem tem amor não acha aceitável viver em um país que deixa seu povo morrer asfixiado, sem vacina.
Eles podiam ter as armas, a máquina de mentiras, todo o aparelho do Estado a favor deles. Eles tinham o medo, a intimidação, a ameaça. Mas não tinham amor.
Vejo as fotos e vídeos dos meus amigos que tanto amo. Eles choram e dançam e se abraçam como se fosse ano novo. Como se tivéssemos vencido a Copa do Mundo. Mas eu sei que foi algo muito maior. Que embora metade da população não tenha consciência disso, ganhamos todos. Porque quando o amor vence, é isso o que acontece. A humanidade vence junto.
Por isso, o amor precisa ser dito, o amor precisa ser praticado. Nas nossas vidas, nas nossas relações, no nosso trabalho, na nossa forma de fazer política. É essa a bandeira que, afinal, pode nos unir.
Com amor,