Não é preciso saber mergulhar para experimentar a pressão atmosférica triplicar ao seu redor. É quando o mundo do lado de fora faz força para te invadir, te atravessar. E então todo esse barulho e as demandas dos outros e a vida que se impõe com suas tarefas incompreensíveis aplicam peso sobre você, cada vez mais. E seu corpo, em resposta, precisa gerar pressão equivalente no sentido contrário para não implodir. Tampo o nariz, empurro a respiração contra meus ouvidos até sentir o plop. O máximo que temos para hoje é fingir que tenho estratégias para não me afogar. Mas devo fingir bem, se tem quem jure que é boa ideia me imitar. Acho graça, mas vai que encontram o próprio caminho tentando se orientar por alguém completamente perdida das ideias? Já diria Belchior: "façam como eu: inventem. Ou melhor, não façam como eu: inventem!" Aprendo que a palavra em alemão que descreve como enxergo o mundo é verschwommen. Que vem do verbo schwimmen, nadar. Vista embaçada, de quem está debaixo d'água. Sofro para encontrar bordas bem definidas, uma solidez que seja. Confesso que a vida fica mais divertida quando enxergo pessoas como borrões coloridos, mas as letras me fazem refém dos óculos. Preciso das lentes para navegar pelas palavras, e elas estão por toda parte: nas placas, nos rótulos, nas telas, nos livros, do lado de dentro, fazendo pressão para sair. O ruído do lado de fora me faz pesar cada uma delas. Será que vale a pena escrever sobre isso? Será que faz sentido contar essa história? O que estou acrescentando? Engulo as palavras de volta, que é uma forma de gritar para dentro. Dobro as roupas que tiro da máquina. Faço um chá. Respondo emails. Faço perguntas que o ChatGPT considera impróprias de responder. Lembro do tempo em que escrever era um refúgio, um caminho que eu construía para fugir de. Quando eu não precisar mais de rotas de fuga, ainda vai fazer sentido escrever? Credo, que tristeza de newsletter. Não é o que as pessoas querem ler, não é o tipo de texto que clama por engajamento, que vai fazer minhas métricas subirem em um desenho bem fálico, e agora também tenho que me preocupar com um raio de taxa de abertura, tal qual um Gugu Liberato de olho nos números do IBOPE enquanto apresentava o Domingo Legal. Parece até que as palavras precisam dos números para significar alguma coisa. Pipocam anúncios de gente que jura ter desvendado o caminho para aprender algo mais rápido, ou para alcançar os números astronômicos que preciso para ter sucesso. Sempre tem alguém que desenvolveu um método. Que você pode descobrir se clicar para se inscrever no curso do cidadão. O método, parece, é sempre igual: tirar dinheiro de gente perdida. Posso estar perdida, mas não são otária! Qualquer dia desses vou lançar um curso de educação e bons modos em ambientes digitais. Vou ficar rica. A necessidade, pelo que vejo por aí, é gritante. Não custa nada perguntar como a outra pessoa está antes de chegar disparando demandas como um psicopata. Acho lindo que se alguém perguntar como vai? a um alemão ele realmente vai responder. Falar do clima é inevitável, uma forma de lembrar que existimos em relação a um planeta vivo. Por que ter medo de small talk? De conversinha em conversinha, a gente chega em algum lugar. Os telefones públicos daqui são cor-de-rosa. Uma graça, mas nunca vi ninguém usar, exceto para as intervenções artísticas também conhecidas como pichação: "tell them you love them", alguém riscou em canetão em todos eles. "Diga que os ama", é o que o telefone cor-de-rosa sugere. Sim, talvez ainda existam palavras que precisem ser ditas, histórias esperando para ser contadas. Apesar do ruído, apesar da falta de método, apesar dos óculos embaçados pela chuva.
Edição escrita ao som de "Runaway", Aurora:
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