Deletei minha conta do Twitter em novembro de 2022, assim que Elon Musk comprou a plataforma. Não que eu já não tivesse outros motivos para abandonar o site da saúde mental; a atmosfera daquele lugar estava insalubre há tempos. E daí que respirar o ar do Twitter tinha o mesmo efeito no organismo de fumar um maço de Derby? É fácil nos acostumarmos à deterioração que vem lenta. Mas a linha para mim estava claramente traçada em ficar fazendo número para alimentar brinquedinho de neonazi. Para outros, a linha foi precisar de mandado judicial para ser arrancado daquele lugar tóxico. Não posso julgar. Tentei parar algumas vezes, sem sucesso. Algo me tragava de novo para lá.
Tentei me convencer por um tempo que se tratava do mecanismo perverso do algoritmo, que fazia do lugar uma grande bolsa de valores dos Assuntos mais Relevantes do Momento, no qual, se você piscasse, perderia a chance de fazer uma aposta (uma piada, uma lacrada, uma thread) que fizesse seus números duplicarem, triplicarem, alcançarem o infinito. É mesmo viciante um jogo em que se ganha atenção, embora eu não me lembre de uma única vez em que viralizar não tenha sido uma dor de cabeça.
Tentei também me convencer de que continuava no site porque tinha uma história de muitos anos investida ali. Criei minha conta no Twitter no meu segundo ano de faculdade. Como estudante de Comunicação, fiquei fascinada. Existia todo um idioma que só fazia sentido ali e que mudava a todo instante, a cada meme que nos deixava repetindo igual papagaios os mesmos bordões por semanas, como numa grande piada interna que vai longe demais. Como nerdola ex-frequentadora de fóruns online, me senti muito à vontade. Era texto! Dá para se fazer muita coisa com palavras. E daí que fossem poucos caracteres? Como redatora, achei ótimo para exercitar a concisão de ideias que meu trabalho pedia. Aprendi com o Twitter a escrever de forma enxuta. O que não significa, considerando o tamanho dos meus e-mails hoje, que seja algo que eu coloque em prática.
Twitter era uma extensão do meu escritório. E que bela funcionária rabugenta eu fui. Meus tuítes já renderam barracos em cada lugar por onde passei. Na faculdade, no trabalho, no meio literário. Todo dia eu batia ponto nas trincheiras: reclamava, lançava indiretas, alimentava picuinhas, dava block com gosto, levava uns unfollows que doíam na alma. Por outro lado, pude trocar ideia com tanta gente foda que foi com dor no coração que passei pelas minhas DMs uma última vez antes de apagar as luzes e fechar o boteco. Até hoje chamo as pessoas que conheci ali pelas arrobas. É apego sentimental, eu me dizia, incapaz de deletar a conta de vez. Seria como deixar todos aqueles anos para trás.
Ou ainda: tentei me convencer de que estava ali pelo meu trabalho, que precisava transitar naquela avenida com meu megafone se eu quisesse atrair as pessoas para meu estabelecimento (meu blog, minhas histórias, meu podcast, minha loxinha, enfim, tudo o que eu resolvesse inventar, inclusive esta newsletter), o que por um bom tempo funcionou: boa parte dos meus leitores passaram a conhecer a escritora através da minha persona tuiteira. Mas já fazia algum tempo que não fazia diferença alguma. Pesei os números do meu alcance com o estrago mental que eu recebia, e concluí que eu estava saindo no prejuízo. Ter sonhado que eu trabalhava para o Elon Musk em um esquema de sequestro contratual com certeza ajudou na decisão de sair.
Não me arrependo, foi libertador. Arrumei outras formas de continuar em contato com quem eu me importava, de me manter informada, de divulgar o meu trabalho. O que desapareceu foi a necessidade de acompanhar, em tempo real, as piadas e comentários da massa tuiteira sobre cada novo assunto que surgia, substituído por um completo deleite em estar completamente por fora. Talvez isso signifique apenas que sou uma senhora e não veja mais graça em mostrar que estou por dentro o tempo todo, que sei a gíria do momento, que faço parte da galera. I'm too old for this shit. É isso, no Twitter fui jovem, e essa talvez seja um dos principais motivos para eu ter me agarrado a ele por tanto tempo.
Sinto falta do que não existe mais, de algo que ninguém poderá trazer de volta, nem mesmo sob decreto. Sinto falta de quem eu podia ser ali dentro. No Twitter minha personalidade tóxica podia se divertir de forma controlada. Não encontrei mais espaço para essa persona que podia ser rabugenta, barraqueira, fazer piadinhas, falar de assuntos sérios, mostrar o trabalho e pensar em voz alta ao mesmo tempo, de forma despretensiosa. Nas redes que me restaram não costuma haver espaço para tantas dimensões. É escolher uma ou duas e já era. Reclamar no Instagram não tem a mesma casualidade, tudo soa como um grande anúncio, quando muitas vezes a intenção é só tirar um pensamento da cabeça. No Notes quase ninguém entende meu humor e minhas ironias, porque ali é uma rede de gente séria, como todo escritor que se preze. Lembro daquela frase da Fleabag falando sobre o luto pela amiga que morreu: "Eu não sei onde colocar todo esse amor que eu tenho por ela". Parafraseio: não sei mais onde colocar todo esse veneno que eu carrego aqui dentro! O lugar que eu usava para despejar minha rabugenta interior está morto, enterrado e construíram um estacionamento de foguetes no lugar.
Não adianta Xandão trazer o X de volta, esse Twitter não vai voltar. Esse caixão já fechou, como muito bem articulado em vários obituários do site que li nos últimos dias, e que vão continuar a surgir até que o site seja desplugado da tomada, até que os últimos pixels dos últimos prints de tuítes esfarelem de tanto serem compartilhados por páginas de meme. A despedida não é só para um site, é para todo o tempo que perdemos ali. Este tempo também não volta mais.
Como ex-usuária há dois anos, eu poderia ter escrito uma mensagem de esperança, um testemunho de que é possível seguir a vida sem saber o que está rolando nos Trending Topics. Com o tempo, você se acostuma. O intestino até funciona melhor. Mas escrevi o que eu precisava escrever, que pelo menos a newsletter pode ser um espaço para pensar em voz alta, para mandar um #prontofalei pelos velhos tempos e então me despedir, oficialmente, desta rabugenta que o Twitter deu asas loucas para voar. Poderia ter sido um desabafo curto e despretensioso, mas eis o que acontece quando não me dão um limite de caracteres para escrever.
Me sinto exatamente assim, mas com o Instagram. A Arena de comparação não me pega mais. Ex-usuária há 3 meses hahah
Muito feliz que você escreveu exatamente o que sinto também, eu saí um mês depois de você em dezembro de 22 e também só sinto falta do que já não existia mais.