Uma expressão que amei aprender em alemão é “alles in Butter”. Algo como “tudo na manteiga!” para dizer que está tudo certo.
Uma das origens prováveis veio da Idade Média: na época, derretiam a manteiga e mergulhavam nela objetos preciosos e frágeis, como pratos ou enfeites de vidro. Com o frio, a gordura endurecia, servindo de camada protetora para transportar esses tesouros sem que sacudissem, se chocassem uns com os outros e se quebrassem. Mais ecológico que plástico-bolha. Quando a mercadoria chegava ao destinatário, para dizer que a carga estava inteira, os entregadores diziam: tá tudo na manteiga, chefe!
Não sei se a história é verdadeira, mas achei maravilhosa. Fiquei imaginando o trabalho de desengordurar todos esses pratos recém-chegados, mas todo mundo feliz da vida porque pelo menos chegaram inteiros.
O tempo passa, a tecnologia e os métodos de transporte mudam, mas algumas ideias são passadas adiante e permanecem, envoltas na manteiga das palavras. Pensando bem, me trouxe uma paz observar que as coisas que vivemos hoje são, na verdade, repetições meio fora de lugar de outras muito antigas:
“Caralho. Galera. Andar à toa. Amo que expressões que a gente usa e soam tão jovens vêm da época das navegações. Um bando de náufragos mesmo. Não dizem que naquele tempo as pessoas se guiavam pelas estrelas? Hoje as estrelas que buscamos para orientar nossos caminhos estão numa tela, em nossas mãos. Ainda emitem luz, mas há controvérsias se estão nos levando para algum lugar.”
— Do meu texto mais recente no blog: “Caralho, galera”
Continuamos navegando, veja só. E usando outros tipos de manteigas para embalar nossas ideias e sentimentos, tudo o que queremos fazer chegar do outro lado. Alguns usam memes, outros usam arte, outros usam links. Qualquer coisa que crie uma conexão, que ligue uma coisa à outra, uma ideia em outra ideia, alguém a outra pessoa.
Na barra de ferramentas do editor de textos, de repente percebo o quanto o ícone para link, um troço tão digital, vem de algo antigo: os elos de uma corrente. A internet é extremamente náutica.
Por que esse simpático centenário diz que 6 bilhões de pessoas vão morrer?
É o que conto no episódio As previsões de Lovelock, o profeta de Gaia. Conto a história do cara que é simplesmente o inventor do aparelho que ajudou a detectar o buraco na camada de ozônio. Vamos do hit Minha Pequena Eva a teorias polêmicas para tentar entender: é o fim da aventura humana na Terra?
Também conversei com a oceanógrafa Adriana Lippi para ela tirar umas dúvidas urgentes sobre mudanças climáticas. Vem comigo nesse levíssimo episódio sobre o apocalipse:
Fico muito feliz de ser dona de um pequeno terreno numa internet já cheia de latifúndios digitais, onde tudo vai aos poucos virando cercadinho de um punhado de poderosos. Meu blog, onde escrevo há mais de 13 anos, é esse espaço modesto, mas meu. Não é plataforma de outrem, que pode mudar as regras a qualquer momento. Aqui, posso deixar as coisas mais do meu jeito, fazer o que me dá na cabeça.
É onde posso criar um ambiente de leitura sem as vitrines e letreiros neon e mil interferências de propagandas bizarras dos shoppings das redes sociais. É onde posso escrever e publicar pensando no que é mais importante para mim: as palavras, e não os números.
A newsletter sempre vai chegar, porque ela é um ótimo meio de transporte. Os pratos chegam inteiros quase sempre e tal. Mas o blog é mais uma casa. A minha casa. É neste endereço que estou sempre aberta a receber visitas. Sua presença é sempre bem-vinda para vir de vez em quando ver se tem coisa nova ou dar uma espiada nas antigas. A seguir os textos mais fresquinhos:
Outras formas de escrever o tempo, um texto sobre o filme Casa de Areia, com Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Seu Jorge, grande elenco e belíssimo roteiro.
Amigos, envelhecemos.
Ler pontua os dias como vírgulas. (Sim, tenho pensando muito no tempo)
Uma reflexão sobre o amor romântico, por Joseph Campbell.
Também tenho publicado algumas obras de ficção por lá:
Uma troca de cartas entre amigos que viveram o bug do milênio e hoje se perguntam se ainda existe espaço para a espera.
A história de um cara excelente em ouvir os outros mas que nunca recebe escuta de volta.
O fotógrafo é muito mais o olhar que ele lança para o mundo do que a câmera que ele usa.
Nos últimos dias conheci o trabalho do fotógrafo japonês Daido Moriyama, numa exposição no Instituto Moreira Salles. Moriyama é um obcecado por coletar imagens de ruína e decadência, lançar luz sobre a massificação da cultura e sobre as histórias que se repetem. Me conquistou, claro.
Suas fotografias em preto e branco, de ângulos diagonais e cheias de movimento, me fizeram pensar muito em como as imagens enganam: elas não estão realmente estáticas, paradas. Mas, para se moverem, precisam sempre do olhar de alguém para as preencher de novos significados.
“Henri Cartier-Bresson dizia que fotógrafos são aqueles que lidam com coisas que estão continuamente desaparecendo; e que, uma vez que elas desaparecem, não há mecanismo no mundo que as faça reaparecer. Resta apenas a fotografia, e dentro dela, um momento extinto.
Por isso, diante de uma foto, nada acontece; há apenas uma cena a se observar. Fotografias são imagens incapazes de se mover. Quem as põe em movimento é quem observa.”
— Trecho do livro Cidades afundam em dias normais
Saia clicando
O que é o Mastodon, a rede para onde uma galera fugiu depois de Elon Musk ameaçar comprar o Twitter? Sim, eu também corri pra lá.
Um episódio de podcast sobre a vida e trabalho de mergulhadores de grandes profundidades, tal qual a protagonista de As águas-vivas não sabem de si. Dica da Samara, lá no grupo dos Valekers.
A Eva Uviedo listou uma série de referências usadas no clipe This is not America, do rapper porto-riquenho Residente, excelente para entender melhor o contexto das tragédias latinoamericanas que nos une.
Uma comunidade inteira de Yanomamis desapareceu depois de atacada por garimpeiros, e dias depois foram localizados no meio da floresta, bem distantes da área onde viviam, deixada para trás após ser incendiada.
Achei engraçado que uma foto antigaça que tirei de uma sucuri saiu numa matéria do Globo Rural (sem paywall aqui).
Sobre insetos psicopatas (faltou o pernilongo nesse vídeo).
Sim, eu posso te ajudar a fincar uma antena no telhado, mas preciso de um amigo segurando a escada para mim. Sem reciprocidade, amizade não acontece.
Não dá para imaginar as coisas aleatórias que uma pessoa já viveu só de olhar para ela.
Essa eu dedico para quem ouviu o episódio mais recente de Bobagens Imperdíveis.
Em 1939, Mário de Andrade trabalhava como funcionário público. No gabinete do Ministério da Cultura, começou a escrever um projeto ambicioso… que nunca chegou a concluir.
Conto a história da inacabada Enciclopédia Brasileira neste outro episódio de Bobagens Imperdíveis, sobre escritores que imaginaram enciclopédias. Já ouviu?
Esbarrei aqui no fio do limite de extensão da newsletter, a Substack mandou me avisar. Então é hora de empacotar, mandar e ficar na torcida que você receba. No tempo que é pra ser.
Um beijo,
Opa, Aline, tenho pensado muito sobre o que fazer com esse espaço online que chamamos de blog e esbarrei com o conceito de Digital Gardens que acredito vai lhe interessar: https://www.technologyreview.com/2020/09/03/1007716/digital-gardens-let-you-cultivate-your-own-little-bit-of-the-internet/
Abraços
Alineeeee, amo demais essa loucura encadeada e super bem expressada. Quando vc traz seus estudos de alemão sempre me surpreende, acho um barato.
Sobre a foto, como dizia meu professor, quem canta é o Passarinho, não a gaiola.