Das efemérides marcantes do início de julho, o dia 8 foi especialmente traumático para muitos. Algo se perdia ali. Onde você estava no dia que a seleção brasileira de futebol apanhava de 7 a 1 da Alemanha? Cada um tem sua história. O quanto chorou, o quanto bebeu, o quanto se chocou, o quanto gargalhou. Eu achei muito engraçado.
Já em uma efeméride do dia 1º de julho, tive motivos para chorar. Sou uma das viúvas do Google Reader, que deixou a existência 8 anos atrás. Foi o meu 7 a 1. Para muitos, foi o que matou a blogagem. De fato, depois disso, a internet virou território mais hostil para quem escreve. Só esqueceram de combinar com os russos: os blogs se recusaram a morrer.
Um dos criadores do RSS não pareceu se incomodar tanto quanto quem usava a ferramenta do Google para se atualizar de novos posts nos blogs favoritos: gente, é uma ferramenta de uma megacorporação, ele lembrou. A internet é mais que isso. Além do mais, qual a finalidade de uma plataforma de leitura te lembrar o tempo todo dos itens que você não leu?
As pessoas terem parado de escrever em blogs matou mais os blogs do que o fim do Google Reader, disso você pode ter certeza.
Você sabia que não precisa de Google Reader para continuar a ler os blogs que você curte?
Meu blog continua firme e forte, embora com postagens esporádicas, sem a mesma frequência e consistência que emprego nesta newsletter. São meios com objetivos diferentes: na newsletter, os textos são frescos; no blog, os textos vão para ganhar uma vida mais longa.
Por isso, fiquei um tempão sem postar. Quando voltei ao blog esta semana, percebi a bagunça, a necessidade de mover os móveis de lugar para conseguir de novo trabalhar nele. Eu mesma estava enferrujada em lidar com a máquina.
Ter um espaço próprio na internet é especial, mas demanda atenção, um trabalho contínuo. De pegar com as mãos, de olhar os cantos, de preparar para receber as visitas. Fazer backup, atualizar plugins. Mas criar as próprias regras e deixar o lugar do seu jeitinho é uma delícia. Recomendo.
Pareço nostálgica, insistindo em um modo de estar na internet que gostam de declarar ultrapassada e extinta, mas gosto de experimentar todas as mídias possíveis. Zine? Opa. Newsletter? Tamos aí, 7 anos na estrada. Podcast? Trabalhamos. Até na Twitch tenho feito uns experimentos maneiros. Não desprezo nenhum espaço. Já mantive um microblog em pichação em carteiras de colégio, no meu tempo de adolescente. Coloca na minha mão que dou um jeito de rabiscar, de escrever, de usar para conversar.
Tenho meus limites, claro: vídeos de 15 segundos com a necessidade de fazer humor, dublar músicas ou apontar para textos flutuantes no ar ao som de suingueira não são a minha praia. Não tenho talento para isso. Mas fico feliz que os mímicos finalmente tenham encontrado uma rede social para chamar de sua. A internet é maravilhosa: tem espaço para todo mundo.
Não é porque surge uma nova forma de se comunicar que as outras estão automaticamente anuladas. A TV não matou o rádio, a escrita não matou a oralidade, as redes sociais não mataram os blogs. As formas coexistem, complementam-se.
O pensamento de que “todo mundo está na rede tal ou fazendo esse tipo de conteúdo então tenho que fazer também” é que é limitador. Quem acha que escrever em blog ainda faz sentido não precisa esperar virar moda ou todo mundo fazer também ou o Zuckeberg autorizar. Pode fazer agora mesmo. Basta abrir o seu, sacudir a poeira, espantar as traças e mandar ver na escrita.
A internet é esse balde cheia de peças de LEGO que podemos usar para montar o que quisermos, não só as figuras que vêm nas instruções do manual.
Mark Zuckeberg só sabe estragar o brinquedo da internet. Agora que está arrastando a asa para o serviço de newsletter, começo a me preocupar. De que formas bizarras ele vai conseguir melecar um dos meus poucos refúgios nessa internet velha de guerra?
Tende a virar uma corrida do ouro: mais e mais pessoas devem apostar na newsletter de olho nas possibilidades de monetização de conteúdo.
Mais pessoas fazendo newsletter e mais possibilidades de ganhar dinheiro com isso para mim são sempre bem-vindas. Só tenho minhas dúvidas dos rumos que essa história vai tomar quando o dinheiro passar a dizer qual tipo de conteúdo vale ser feito nessa plataforma — e todo mundo passar a fazer igualzinho. Já vimos essa história acontecer outras vezes.
Sem falar que, como aponta este artigo, as pessoas que serão mais bem-sucedidas em espremer dinheiro de newsletters provavelmente serão aquelas que já são bem servidas pelas estruturas de poder das mídias tradicionais. Por trás das grandes mudanças, estão os movimentos para tudo permanecer no mesmo lugar.
Já entrou na sala de máquinas de impressão de um jornal? Rolo para todo lado. Rolos de papel, de metal gigante, de borracha. Esteiras. O barulho, o cheiro de óleo e tinta.
Dinheiro é impresso com máquinas parecidas.
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Estou obcecada com o trabalho de Bo Burnham. Assisti ao seu especial de comédia Inside, disponível na Netflix, e fiquei maravilhada com o fato de ele ter gravado e feito tudo sozinho: escrever, dirigir, atuar, tocar piano, filmar, cantar. Meu tipo de artista. Nos estúdios de Bobagens Imperdíveis também é assim.
Além de tudo, o especial foi produzido durante o período de isolamento da pandemia. Sem público, sem equipe, apenas ele e suas máquinas.
O texto faz humor tocando em várias feridas muito familiares para mim: tira sarro de várias situações sobre produzir arte para a internet, sobre os níveis acachapantes de solidão que a pandemia nos apresentou e sobre as relações que mantemos mediados pelas telas.
Certo que ter acesso a bons equipamentos tem um peso grande na obra. Quanta coisa massa dá para criar com um projetor, um punhado de câmeras, bons microfones e um teclado eletrônico, hein? Mas sem criatividade para manejar as máquinas, equipamento serve de muito pouco. O principal instrumento do fotógrafo não é a câmera, mas seu olhar. E o olhar de Bo é afiado, inclusive sobre si mesmo: conta muito sua experiência como youtuber desde 2006, quando era apenas um moleque fazendo graça em um Youtube que também era um bicho muito diferente do que é agora.
O que mais me encantou e é um espetáculo à parte é seu domínio de iluminação. A luz protagonizou: transformou a mesma sala de casa em uma infinidade de cenários diferentes, evocando referências que vão de cristianismo a desenhos da Disney e clipes dos anos 80. Brincando com as cores e projetando luz sobre o próprio corpo, Bo serviu estética e também camadas de significado para o texto que construiu. A luz também conta histórias.
Bo Burnham não é só um comediante, não. É um ilusionista, dos bons. Não por acaso seu trabalho vai me servir de inspiração.
Minha música favorita do musical de um homem só
A edição de hoje foi escrita durante uma transmissão da Twitch, em que tenho aberto meu estúdio para trabalhar com quem chega ao vivo para espiar e/ou participar pelo chat. Quem viu, viu.
Faço sessões de 30 minutos de foco com intervalos para conversar com quem está sintonizado no canal. Tenho feito outros experimentos também. Se você for uma pessoa curiosa por processos, venha espiar. Só me seguir na Twitch para receber o aviso de quando eu estiver no ar!
E se você chegou a esta edição pelos caminhos labirínticos da internet, saiba que assinar para receber a newsletter diretamente no conforto do seu email é muito mais gostoso.
Nos vemos por aí na internet. Até a próxima!
Um beijo,
Aline.
Tinha blog também em outro lugar, mas confesso que trazer os textos pra cá para centralizar e ver no que dá me deixa na certeza de não estar fazendo apenas news. Minhas news seriam novas prosas haha.
Cada rede tem seu propósito, e ler conteúdos escritos precisa de mais espaço, não é conteúdo rápido a ser consumido que não cabe em algoritmos das redes sociais.