Antes, uma palavra da autora sobre aprender novos ritmos.
Caro Al,
Não é qualquer um que tem a coragem de se perder. Preciso começar dizendo que admiro demais isso em você. É sua verdadeira arte. Sobretudo quando a gente mal acorda e lá está ela, queimando nossas retinas: uma gigante imposição de saber para onde vamos.
É preciso estar informada, ficar por dentro do assunto do momento que está desencadeando surtos de indignação nas Pessoas Mui Nobres e Sensatas, é preciso saber o cronograma de Figuras Toscas Que Merecem Nossa Atenção Agora, sob o risco de não conseguir conversar com mais ninguém. Ou pior: ficar sem ter o que escrever. Até ter o que escrever, mas desconfiar que está distante demais da compreensão das outras pessoas, como se eu estivesse usando a roupa inadequada ou o chapéu errado para visitar uma galeria de arte e ficar evidente o quanto estou fora de lugar. Você, ao menos, eu sei que vai entender a brisa.
O que não entendo, Al, é termos uma multidão de gente perdida seguindo pessoas tão ou mais desorientadas do que elas. Chega a ser engraçado: na era dos seguidores, absolutamente ninguém sabe para onde vai. Vai ver o que procuram ao seguir essa gente que ganha a vida influenciando consumo é exatamente não ir a lugar algum, é seguir em círculos num carrossel que faz a vida ter as cores de um sonho por um instante. Poder imaginar o que faria se pudesse ser a filha da puta que gasta mais de 300 mil no cartão de crédito em um mês. E depois que bater a realidade na forma do preço do leite, colocar uma moedinha depois da outra depois da outra na Máquina da Atenção para manter a roda das fantasias girando no celular.
Sorte a sua de perder o seu. Suas ideias não estavam lá, elas vivem na sua cabeça, e isso ninguém pode tirar de você. Pior é perder a vontade de escrever. Ou perder a grana mesmo quando você ganha a aposta. É horrível, mas acontece com mais frequência do que a gente gostaria. Sim, a gente chega lá, onde sempre quis chegar, mas, em vez de sentir o alívio da chegada, vem o desespero de não saber para onde ir.
Então você se perde. Vai parar em lugares bizarros depois de fugir de quem quer te seguir pela sua fama. De repente se vê em bares que parecem versões badaladas do purgatório. Acaba tendo que confiar em quem você nunca viu antes e, quando vira a esquina, já sumiu da sua vista. Você se perde de um jeito tão absoluto que nem lembra onde queria chegar, porque fica ocupado demais procurando uma saída desse pico estranho onde você se meteu.
Geralmente aí, quando ficamos paralisados de tão perdidos, é que encontramos algo. Um ponto de referência. O fundo do poço é uma excelente referência, o chão é sólido.
Começo a entender o que faz tanta gente pagar até o que não tem para que alguém as conduza. Elas se cagam de medo de se perder, Al. Vão se agarrar a qualquer referência que aparecer diante delas. Qualquer coach messiânico que prometer levá-las para o topo da montanha, ou qualquer guru quântico que prometer a receita da cura. Por isso ficam tão sedentas por fofocas e celebridades: porque podem observar o erro dos outros de uma distância segura, e julgá-las por seus desvios, e assim acreditar que sabem, melhor do que os outros, qual caminho seguir. Acreditam que basta seguir o roteiro, qualquer um, e estarão a salvo. Mas nem os roteiristas sabem o que estão fazendo! Ninguém sabe. Só que alguns fingem muito bem.
Não sou diferente dessas desorientadas. Ao mesmo tempo em que me vejo muito parecida com você. Não tem roteiro para o que escolhemos seguir. A gente vai descobrindo enquanto avança, não tem outro jeito. Mas também preciso de pontos de referência. Só que os meus prefiro fixar em personagens de ficção. Justamente por não existirem, permitem que eu olhe para mim mesma quando as vejo perambular sem direção ou tropeçar chapadas numa esquina do Velho Continente. Por incrível que pareça, são as personagens que me ajudam a me orientar.
Pessoas que não existem são as melhores guias. E disso você sabe muito bem.
Texto inspirado no Paper Boi, personagem de Atlanta que protagoniza meus episódios favoritos da série, especialmente quando ele está perdido, seja em Amsterdam, numa floresta escura, ou entre as vozes de sua cabeça.
Receita de criação de personagem
Pense em uma cena explosiva que traga um personagem à vida, sem se preocupar com o contexto. Então se pergunte se há algo mais que você escreveria com esse personagem.
É possível construir um mundo inteiro a partir dele. Seu personagem está nesse mundo e é através do olhar dele que você o experimenta. Tudo o que você precisa fazer é olhar em volta.
— Esta é a receita da autora Nnedi Okorafor, que ela compartilha nesta entrevista (em inglês).
Que tipo de perdido é você
O que você faz quando se perde? Quando não sabe mais (se é que soube) pronde seguir? Você volta pelo caminho de onde veio, procurando uma saída perdida, uma placa oculta, o início? Você segue em frente, tateando, sentindo o terreno com a ponta do pé, segurando o fôlego? Você grita e espera ser alcançado? Ou se enrola em uma bolinha e reza para desaparecer?
— Do diário da Fal Azevedo
De volta à origem
No início, havia uma serpente. Não essa que você está pensando. Também. Mas tantas outras. Entrelaçadas. Vivendo dentro de nós. Há gerações.
História poderosa, com narração de Aílton Krenak:
Piores bússolas
Com frequência escolhemos péssimas bússolas para nos guiar. Depois reclamamos que estamos perdidas.
A comparação é a pior delas.
Armadilha que, na maioria das vezes, só conduz a um lugar: o fundo do poço. Lá, onde a gente se lamenta por não ser tão boa quanto alguém, não ter tantos recursos quanto o outro, ou achar que está muito atrás na fila do pão.
Só é possível medir nossa evolução usando nosso próprio trajeto como bússola. Como nosso trabalho era e como passou a ser? O quanto progredimos desde nosso último texto? O quanto melhoramos desde o último desenho? Aprendemos algo com nosso último projeto?
O diabão sabe o caminho
Leia a história completa aqui.
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Agora é hora de voltar a experimentar, de usar a newsletter também para ir um pouco mais fundo, ainda que dê medinho de explorar a parte da água onde não dá pé. Sem pressa.
Um beijo,
Quando eu vi a foto do Paper Boi, parei a revisão que estava fazendo só pra ler a newsletter. Adoro Atlanta, mas estou atrasada no rolê, ainda nem vi esta nova temporada...
A frase sobre o fundo do poço bateu tanto aqui, Aline, que talvez tenha sido o impulso pra sair dele. Não consigo apoiar todo mês (ainda), mas mandei uma quantia simbólica, somente pra agradecer a news de hoje ♥
adorei te ouvir <3