A nossa época é, dizem, o século do trabalho; de fato, é o século da dor, da miséria e da corrupção.
Lendo O direito à preguiça, parece até que Paul Lafargue está falando do nosso século. Tem dor, tem miséria, tem tudo isso que está aí. O trabalho — em suas jornadas excessivas de até 14 horas, como no final do século 19 ou em meio a uma pandemia no século 21 — seria o problema central desse modelo de sociedade onde as pessoas passam tanto tempo trabalhando e sofrendo para conseguir se manter que não têm tempo livre para as amizades, para pensar, para gozar, para aproveitar a existência neste planeta.
Paul era um utópico: acreditava que máquinas mais avançadas fariam o trabalho por nós, e as pessoas poderiam trabalhar apenas 3 horas por dia. Ficaria decepcionado se desse uma olhadinha 200 anos no futuro e visse que sim, temos tecnologias espantosas e inteligências artificiais, mas isso não nos faz trabalhar menos. Pelo contrário.
Trabalhamos até o ponto do esgotamento. Nosso tempo e energia mental ficaram tão escassos que ouvir áudios e assistir vídeos em velocidade acelerada é visto como uma vantagem. Precisamos continuar produzindo no mesmo ritmo apesar das perdas, dos surtos, da falta de perspectiva de cenários melhores. Precisamos trabalhar mais porque tudo fica cada vez mais caro e nosso dinheiro vale cada vez menos.
A precariedade chegou para ficar — e estarmos viciados em trabalho, tornando-o um aspecto central de nossa vida e de nossas identidades, tem muito a ver com isso.
Não sou a pessoa mais adequada para fazer uma defesa da preguiça, porque acho um estado muito difícil de ocupar. Como assim fazer nada? E ficar para trás? Com o tanto de tarefas que tenho para fazer?
Fui colonizadérrima pela ideia de que estar desocupada é algo ruim, de que descansar é apenas para quem merece — ou um direito que você pode resgatar apenas quando chega a níveis altíssimos de cansaço. Claro que essa ideia só funciona para afogar nossos corpos e mentes em um estado permanente de fadiga.
Não por acaso a vagabundagem é desestimulada, perseguida e marginalizada. Porque é o ser humano em seu estado mais humano, mais puro, mais natural. Com espaço mental para pensar em coisas inúteis, observar o que parece ser desinteressante, dedicar-se aos seus desejos, viver e experimentar seu corpo como fonte de sensações e não apenas como ferramenta de produção.
O mais contraditório é estarmos tão imersos na lógica sacrossanta do trabalho, que é preciso fazer um esforço para se entregar à prática da preguiça. Encontrar um espaço na agenda, associar ao consumo de alguma coisa, transformar em parte de uma rotina que coloque o ócio à serviço da nossa produtividade, para que os momentos de descanso nos ajudem a criar mais e melhor.
Esse esforço pode ser um primeiro passo importante para naturalizar aquela preguiça maneira, sem culpa, quando poderemos seguir o impulso de não fazer nada como quem segue uma bússola. Quando bater a preguiça, a coisa mais anticapitalista a fazer talvez seja atender a este chamado.
Eu aprendi a ver esse mundo
Com meu olhar mais profundo
Que é o olhar mais vagabundo
— Almir Sater
Enquanto isso, na Twitch
Tenho experimentado fazer transmissões na Twitch como um ritualzinho de final de expediente. Abro meu estúdio para receber transeuntes e convido para dentro do meu fluxo de pensamento. Converso com quem aparece no chat, e trocamos ideias sobre filmes, séries, lembranças constrangedoras da infância, as polêmicas da internet do momento, e até formas de explicar em inglês o que é angu.
Ainda não tenho uma agenda certa, mas tenho entrado ao vivo durante a semana a partir das 18h. Se estiver de bobeira, venha ficar de bobeira e falar sobre o nada comigo.
Só me seguir na Twitch para receber o aviso de quando eu estiver NO AR.
Twitch é uma plataforma originalmente onde os xóvens fazem stream de games e tem uma lógica muito de jogo, tanto para quem transmite quanto para quem assiste (conquistar metas, ganhar pontos, subir de nível). Mas não só isso. Tenho encontrado canais com propostas muito interessantes e quero compartilhar com você alguns dos que mais gosto de acompanhar:
A Dri Lippi é oceanógrafa e tem compartilhado em seu canal conteúdo muito legal sobre o oceano. Para os nerds que adoram conteúdos científicos ou gente curiosa como eu, que adora aprender coisas novas, a programação traz palestras, bate-papos com especialistas e o Café com sal, onde ela comenta notícias e descobertas em sua área. Se você conhecer outros canais na Twitch com essa pegada, me conta plis! Vou adorar seguir mais.
O Ronald Rios tem sido uma companhia diária: a partir das 21h, ele transmite a gravação do seu podcast Pura Neurose, com participação dos ouvintes e da galera do chat. É como assistir a um programa de rádio, onde ele comenta os assuntos do momento, põe uns bons raps para tocar, espalha a palavra do gozo e responde às questões dos ouvintes: “será que eu sou um babaca?” Vale demais colar e acompanhar a fascinante coleção de personagens que surge nas transmissões, como o cachorro Frango, que sempre rouba o show.
A proposta do canal Beat Brasilis é bem bacana: eles disponibilizam um disco do dia para a galera samplear, criar seus beats e enviar para ser ouvido ao vivo, às quartas, a partir das 20h30. Muito legal para deixar rolar e observar como criações tão diferentes podem sair de uma mesma referência. Os apresentadores também fazem uma curadoria de gifs maneiros que ficam rolando na tela enquanto o som toca!
Em junho, a programação online do SESC traz um ciclo de conversas para pensar no futuro a partir de obras de ficção. Vou mediar uma dessas conversas, com o escritor Vic Vieira e a crítica de cinema Isabel Wittmann: vamos falar sobre o filme Her e sobre Estação Perdido, livro do China Miéville.
Fica o convite para você vir ouvir e participar! Vai rolar no canal do SESC no Youtube, na quarta dia 16, a partir das 20h.
Meu livro Cidades afundam em dias normais, até o fechamento desta edição, está em promoção absurda na lojinha do Bezos (obrigada, Eric). O ebook está saindo por menos de 12 reais!
As fotos bonitas que leitores tiram.
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Até a próxima.
Beijos,
Aline.