Esses dias pediram para que eu escrevesse o que eu via como o futuro que deveríamos construir. Eu deveria ter a resposta, eu trabalho com esse negócio de imaginar coisas que ainda não existem. Mas não vinha nada.
Comecei a escrever um futuro bem paz e amor, cafoninha como acaba sendo toda projeção otimista. Mas me faltavam cores para imaginá-lo. Acabava de saber da morte de Willian Santiago, ilustrador talentosíssimo. E do Paulo Gustavo, um gigante da comédia. Genocídio e chacina são as palavras do momento. As milhares de vidas brasileiras perdidas todos os dias para uma doença para a qual já existe vacina. Luto. Guerra. É o Estado quem está matando. 24 pessoas assassinadas no Jacarezinho, sumariamente condenadas à morte por aqueles que também executam a sentença. Banho de sangue, falta de ar.
Daqui não consigo ver futuro otimista. Não que seja impossível. Um dia já soube fazer, mas ultimamente fazer o mais básico do trabalho ganha um peso muitas vezes maior, como atravessar areia movediça.
Apago o texto. Preciso começar de novo, por outro caminho. Lembro que já fizeram isso antes de mim. Resolvo consultar os antigos.
No passado, o futuro era diferente. Chega a ser engraçado olhar para ilustrações antigas que pintavam uma visão de futuro onde teríamos coisas como carros voadores, teletransporte, roupas prateadas, cidades que mais pareciam uma vinheta do Hans Donner e turismo espacial.
Em alguns pontos, quase acertaram: robôs que limpam a casa, conversar por videoconferência com os amigos e familiares, telas por todos os lados, confinamento.
Um elemento que aparece bastante nessas representações retrofuturistas são as redomas de acrílico. Talvez muito encantados com a possibilidade de exploração espacial, os antigos já se preocupavam com o fato de ter que lidar com uma atmosfera hostil do lado de fora. Hoje, a atmosfera hostil já está no nosso próprio planeta.
A versão idealizada pelos antigos não dá conta do que realmente se tornou esse futuro, onde boa parte das pessoas carrega um computador super potente no bolso, que muitas usam para criar vídeos de dancinha ou para transmitir notícias falsas que podem potencialmente matar. Apesar dessa quase banalidade da convivência com alta tecnologia, outra boa parte das pessoas simplesmente não têm o que comer.
Esses futuros já existem agora, mas não para todo mundo.
Por isso chama minha atenção nessas representações visuais uma certa uniformidade do futuro. Como se fosse o lugar onde todos pudessem ter acesso a robôs trabalhadores, super computadores e veículos voadores.
Essas visões utópicas ou ignoram ou parecem contar com a erradicação de toda desigualdade e até de discordância: todo mundo sempre parece muito ok em seguir o mesmo estilo de vida ou as regras dessa nova sociedade. O acesso a uma tecnologia mais avançada parecia ser a resposta para acabar com os conflitos que o povo daquela época já enfrentava (e que, mesmo décadas ou séculos depois, continuam por aqui).
As representações de futuro vindas do século passado costumam levar em conta um mundo alterado pela tecnologia, cheio de coisas novas para pessoas em essências iguais, com as mesmas prioridades que as pessoas que idealizaram essas projeções. Daqui fazemos o mesmo: toda visão de futuro que tivermos estará contaminada com as nossas prioridades e anseios, porque por mais que façamos força para superar o pensamento de uma época, estamos presos a ela.
De forma que eu não me espantaria se habitantes de um futuro distante viessem nos visitar, dessem uma boa olhada nas nossas ideias de utopia e nos achassem ingênuos, ou até cafonas, por continuar superestimando o bom senso das pessoas do futuro.
Ainda bem que quem imagina o futuro não tem a menor obrigação de acertar.
Parece que foi num passado distante que eu recebia os amigos em casa para beber, jogar cartas, ter ideias de projetos grandiosos que nunca se realizaram e conversar sobre as questões mais profundas da humanidade a partir de trocadilhos e memes.
Em um desses encontros, resolvemos criar uma cápsula do tempo: escrevemos em um papel o que imaginávamos para nós mesmos alguns anos no futuro. A ideia era criar uma espécie de previsão para que os nossos “eus” mais velhos pudessem dar umas risadas ou ficar completamente decepcionados consigo mesmos. Uma experiência emocionante!
Na época, estávamos tão otimistas com o futuro que combinamos abrir o primeiro envelope em cinco anos. O segundo envelope, em 20 anos. VINTE. Hoje em dia sobreviver a um ano parece tanto, mas tanto, que conseguir abrir o primeiro envelope já me parece uma vitória.
O que você escreveria para você no futuro? Quem você acha que você será daqui a 5 anos? Escreva. Guarde em um envelope. Anote a data de abertura. Lacre. Esqueça-o.
Esta câmera vai levar mil anos para tirar uma foto.
Seres humanos são adaptáveis.
“O solarpunk não precisa contar apenas histórias ingênuas de um otimismo pós-apocalíptico que busca sanar nossa ansiedade do presente.”
— Deste artigo da Lidia Zuim.
A ficção científica e a estranha tara por mulheres em tubos.
Felicidade intensa por momentos vividos no passado e a melancolia de saber que eles não são mais possíveis: eis os ingredientes da nostalgia. Um vídeo bem maneiro indicação da Giseli lá no grupo de valekers.
Na visão de Orkut — criador da rede social onde deixávamos scraps no mural dos outros e onde alguém muito popular ficava com o perfil lotado — as redes sociais deveriam enfatizar nossos interesses e paixões em comum, mas acabaram virando espaços que incentivam a autopromoção e nos deixam ansiosos com as inevitáveis comparações.
Como já diria o webceleb e ex-BBB Serginho Orgastic na virada do milênio: “modernidade é o futuro”.
O vídeo anterior foi um dos achados preciosos da newsletter Surra de Ref, ótima para quem adora se soterrar de abas abertas no navegador com conteúdos interessantes.
Foi ao ar o último episódio de Valek conversa e essa season finale não poderia ser mais especial: recebi a incrível Karina Buhr para um papo sobre música, ritmo, teatro, rótulos, mídia machista, tambor, Carnaval de Pernambuco, Bacantes, processo criativo de um álbum, fazer arte independente, escrita, desenho… um episódio tão multifacetado e cheio de energia quanto a convidada!
Agora o podcast entra em hiato para que eu possa escrever e produzir a próxima temporada. Logo Bobagens Imperdíveis estará de volta. Aproveita para maratonar o podcast ou escutar de novo os episódios antigos! Gaste sem dó.
Se você gosta do podcast e curtiu as conversas desta temporada, dê uma força para as palavras das artistas incríveis que convidei chegarem mais longe: que tal compartilhar nas suas redes seu episódio favorito? Vou adorar saber qual foi.
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Obrigada pela companhia e até a próxima edição, num futuro não tão distante assim.
Um beijo,
Aline Valek.
Essa temporada do podcast mexeu muito comigo, mas essa entrevista com a Karina Buhr foi uma surra por aqui. Sai outra. Obrigada por tudo, Aline