Uma Palavra

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Uma Palavra: Perdida na personagem

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Uma Palavra: Perdida na personagem

Aug 27, 2021
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Uma Palavra: Perdida na personagem

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“Tomaria um cafezinho comigo?” 

Foi a pergunta que usaram para abrir tuítes que traziam, logo abaixo, uma lista de informações pessoais que parecem cruciais para descrever a pessoa que perguntou: altura, signo, onde sente cócegas, nome da avó, que número calça, cor do cabelo, que tipo de mensagem gosta de ignorar. De alguma forma, importa saber tudo isso para decidir sua companhia para um café.

Entregar meus dados de graça para empresas me venderem produtos? Jamais! Entregar meus dados de graça para tentar buscar talvez quem sabe se os ventos ajudarem um afago virtual? Opa, vamos nessa. Afetos before boletos.

Digamos que sim, que com base nesse seu jeitinho todo especial, alguém responde que tomaria esse cafezinho com você. Mas esse alguém, no caso, é sua persona digital. Aquela que você vende em seu avatar misterioso e em posts caprichados e no seu histórico profissional e nas informações que você compartilha online. Um encontro com a versão que você apresenta na internet. 

A pergunta toma caminho inverso. Você tomaria um cafezinho com a sua persona?

Não que essa versão contada pelas telas seja necessariamente uma fraude, ou uma completa ficção. Está mais para uma faceta. Incompleta, pelas limitações do espaço (é mesmo difícil enfiar todas as nossas dimensões em recipientes como caracteres e bytes e imagens feitas para desaparecer no dia seguinte). Imprecisa, pela facilidade em fazer a curadoria (decidir o que queremos mostrar, o que queremos esconder e o que queremos exagerar). Tem você ali, mas acaba sendo um você diferente.

Talvez esse encontro te intimide. Um medo da porra de passar vexame, de dizer algo que essa outra versão de você possa problematizar. Ou gongar com seu humor ácido. Ou talvez seja ela quem trave, porque tem uma imagem a zelar. Talvez perto dela, você tenha pouco a dizer. Ou não: é a sua persona que fica apenas calada, observando, ouvindo. Passivona. 

Você seria uma companhia agradável para você? Talvez vocês se encantem e surja uma linda amizade. Ou um diálogo confuso e altamente narcísico, feito Paul Rudd conversando consigo mesmo. “Olha só pra nós”, você diria com brilho no olhar. “Olha só pra nós!” você responderia em êxtase.

Pode ser estranho, desconfortável. Encontro de sair faísca, algo mais parecido com duelar com a própria sombra. Uma esgrima onde ninguém se acerta porque reflete com exatidão o movimento um do outro, feito um espelho.

Ou quem sabe divertido perceber que (A) ninguém liga para a sua imagem tanto quanto você. As outras pessoas também estão mais interessadas em se olhar no espelho o tempo inteiro (B) essa imagem é só uma ideia que você cria de si mesma, e ninguém precisa se apegar a uma ideia fixa sobre quem é (C) o ego é uma ilusão, a existência é temporária, então por que não aproveitar o curto tempo que temos para curtir essa viagem que é se entender como indivíduo singular? (D) conversar sozinha não parece mais tão estranho em uma realidade onde o embirutamento é geral. Basta olhar para fora. Só tem gente doida.

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aline valek @alinevalek
A essa altura de 2021 já tá todo mundo perdido no personagem
11:11 AM ∙ Aug 4, 2021
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só quem viveu o isolamento sabe


Me conte mais sobre sua persona digital.

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Personagens perdidas é o que não falta em Neuroses a varejo, meu novo ebook. 

O livro acabou se formando pelo que tinham em comum essas mulheres que escrevi em contos aleatórios ao decorrer dos anos. Estão, de alguma forma, tentando encontrar a saída do labirinto de dentro de si mesmas. 

Eu poderia gastar mais vocabulário nesta que considero a parte mais importante desta edição — o convite para você conhecer esse ebook — mas depois de ter feito essa imagem, sinto que meu trabalho está feito. Venha ler por sua conta e risco.

O livro também pode ser lido como uma série de relatos de autodescoberta, pois apresenta uma série de trilhas possíveis para buscar o si em si; para compreender as dimensões do ego e do id; para entender o que do(s) outro(s) se infiltra no eu e como nos transbordamos para além do que nos é próprio, contaminando o alheio.

— Bruno Anselmi Matangrano, escritor, professor, tradutor e pesquisador de literatura fantástica que me deu a honra de assinar o prefácio!

clique para conhecer

Um filme protagonizado por uma influencer fitness conseguiu me conquistar.

Em Sweat, você se torna seguidor dessa influencer — acompanhando cada momento de Sylwia, inclusive nos momentos que ela não mostra nas redes sociais. Um filme sobre a fama e o peso dos holofotes? Sobre os excessos das redes sociais? Ou sobre pessoas terrivelmente solitárias? Todas as alternativas são possíveis, mas fico com a última.

Nothing left (but myself)

Nobody else (but myself)

There’s no crew, it’s me

Nobody else in the room

That’s just how I do

Solidão é foda. Mas também espaço para self care — como nessa música do Tank and the bangas.


Cada vez mais evidente que não basta ser especialista naquilo que você faz, é preciso dominar a habilidade de estar na internet. 

Significa o esforço de, além da sua produção, jogar um jogo definido por uma máquina, com regras que podem mudar a qualquer instante, para conseguir levar ao conhecimento das pessoas aquilo que você está fazendo, armadilha explicada nesse vídeo:

Além disso, o que é que estamos tentando preencher com tanto conteúdo?


você também curte quando os cadernos de repente se acendem?

Se estiver precisando de um impulso para escrever mais, convido você a fazer meu curso na Domestika — indicado para quem quer criar uma rotina de escrita, se conectar com seu próprio processo criativo e levar um projeto do início ao fim.

Quem lê Uma Palavra tem desconto! Basta se inscrever usando o cupom abaixo:

ALINEVALEK-ESCREVA 


Participei do podcast Estúdio R, da Rocco, para falar de como a realidade implodiu a ficção sorrateiramente. Como inventar histórias fantásticas sobre fim do mundo quando ele está sempre acontecendo, aqui, na vida real? 

Este domingo, dia 29 de agosto, às 13h, participo da Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto, em uma conversa com o querido Daniel Lameira, editor da Antofágica e da Aleph. Vamos falar TUDO o que você precisa saber sobre distopias, não perca. Será online, gratuito e você pode assistir por aqui. 

Chegou a esta edição pelos labirintos da internet? Assine para receber as próximas no aconchego do seu email. Muito mais gostoso, dizem.

Um beijo,

Aline.

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Ana Carolina
Aug 30, 2021

Acho que minha persona digital virou a da "não persona". Apaguei meu perfil pessoal do instagram, aquele em que seguia os amigos, mas tenho um, sem nome, em que sigo os criadores de conteúdo que gosto. Tentei apagar meu nome o máximo possível em históricos que apareciam em buscas pelo Google, quase uma tentativa de desaparecimento mesmo, que às vezes acho vir do meu extremo egocentrismo de não receber os olhares que gostaria, embora a desculpa que me dê seja fugir o máximo possível da vigilância digital e de como usam meus dados incessantemente pra me oferecer produtos que não quero ou preciso, mas que vou ficar tentada a comprar se eles me conhecerem bem demais (embora conheçam, claro). Ao mesmo tempo me inscrevo em pelo menos dois cursos de escrita por ano (estou fazendo o seu agora), embora nunca escreva nada por achar que 1. não tenho criatividade pra escrever de forma interessante (mas nunca pratico, como é que vou achar essa voz, né?) e 2. o mundo tá com vozes demais e talvez só usufruir das letras de outras pessoas criadoras me baste, ao invés de gerar mais dissonância. Mas pode ser só egocentrismo também, de novo. Rsrs.

Adoro seu trabalho e tô indo agora olhar o e-book. Bjos

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Erika
Oct 7, 2021

Minha persona virtual parece uma tentativa desesperada de mostrar todos os meus aspectos numa plataforma tão rasa. Mostro minha faceta de psicóloga clínica no meu perfil profissional - a contragosto, percebi que é melhor separar a vida profissional do resto. Já nos meus perfis pessoais eu mostro tudo e nada ao mesmo tempo: selfies, memes, rotina de exercícios, livros, músicas, citações, looks, hobbies, tudo. Nos perfis pessoais me sinto mais eu mesma, mas ao mesmo tempo frustrada, parece que a internet é sempre muito rasa e não me permite mostrar tudo que eu quero.

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