Divisa entre Bolívia e Brasil e a professora Suzana dentro de um ônibus fazendo a travessia. De olhar e de ouvir, não dá para saber se ela é boliviana ou brasileira. Em portuñol — essa mistura que coloca português e espanhol para dançarem juntos —, ela conta para a câmera sobre como as pessoas se comunicam naquele lugar. Suzana explica que, na fronteira, tida como lugar de divisão, as pessoas acabam criando práticas de aproximação — a mistura dos idiomas é uma delas.
Portuñol, dirigido por Thais Fernandes, é o documentário onde vi essa cena. Curti demais. O doc passa por várias cidades de fronteira onde o Brasil se toca com outros países: Paraguai, Uruguai, Bolívia, Argentina. Nesse percurso, vemos como as pessoas que vivem nessas bordas se comunicam numa mistura de guarani, português e espanhol (ou castelhano).
As falas da professora Suzana me cativaram. Porque ela explica como a fronteira está em todo lugar e como estamos todos em trânsito, o tempo todo. “Estamos em trânsito de idade, de condição social”. Nossos próprios interesses vivem em trânsito, mudando de lugar. E quando mudamos de faixa etária, de classe social, de território, nossos assuntos mudam junto. Ganhamos outro vocabulário. Novas forma de articular a realidade.
Fica então, muitas vezes, a dificuldade de se comunicar com quem está para lá da nossa fronteira. Mas a gente se estende em direção ao outro e tenta. Tentamos nos inteirar dos assuntos dos jovens ainda que sejam a cada dia mais incompreensíveis e nos façam perceber o quanto somos cringe. Buscamos um meio do caminho para conversar com pessoas de uma cultura diferente ainda que erremos as pronúncias todas. A gente tenta. Ainda que digam que é ridícula essa posição que se manifesta na mistura.
O portuñol é um gesto de possibilidade, quando às vezes é impossível se entender mesmo com pessoas que falam o mesmo idioma, vivem na mesma região, compartilham as mesmas referências, são da mesma família. Uma amostra de que se comunicar não é tanto chegar na precisão, mas ir em direção a ela, mais ou menos assim, por aproximação.
Às vezes não dá para entender o que está do lado de fora. Será que o outro realmente quis dizer isso ou é um disfarce para a mensagem real? Essa pessoa está tentando ser hostil ou engraçada? Tem algum contexto ali que eu perdi? Por que está todo mundo olhando para aquele mesmo ponto? Por que essa galera está tão brava? Do que essas pessoas estão falando, meu deus?
Às vezes o que não dá para entender é o que está do lado de dentro. Que bicho é esse arranhando minhas paredes mentais? Onde foi que guardei aquela palavra? Ou melhor, onde está aquele trem que eu usava para colar umas nas outras? Será que eu realmente me lembro disso ou estou inventando? O que eu tô fazendo aqui, pelamor?
Não entender ocupa muito tempo. Gasta processamento mental. Cansa as vistas. Falo menos, para evitar o custo de escorregar na tradução do que é interno. Vai ficando tudo quieto demais, um silêncio. Meditação nada. Antes fosse retiro espiritual, voto de silêncio monástico.
É só outra forma de leitura. Ficar em silêncio, sem nada a dizer. O silêncio também está carregado de informação. Não sei por quê, mas a informação às vezes parece mais legível desse lugar.
“É uma coisa curiosa um escritor. Uma contradição e também um absurdo. Escrever é também não falar. E se calar. E berrar sem fazer barulho.”
— Marguerite Duras
Uma das melhores coisas que fiz nesse último mês em que eu só quis desaparecer foi deletar o Instagram. Sumir com Aline Valek de lá. Puf.
Desde que aquilo deixou de ser uma rede de fotos para se tornar uma rede de publis, deixou de fazer sentido usar aquele espaço para falar de mim, compartilhar a minha vida, ficar fixada na minha imagem, nos meus feitos grandiosos e toda essa loucura egocêntrica que a rede estimula.
Sair dessa espiral foi um alívio.
Resolvi manter uma conta ali, mas com uma pequena-grande mudança. O perfil deixa de ser meu e passa a ser do meu projeto mais duradouro, mais sexy e mais versátil, o Bobagens Imperdíveis.
Quem me seguia vai poder continuar acompanhando meu trabalho e o que estou aprontando no podcast, atualmente em produção de nova temporada. As curadorias visuais também continuam! A diferença é que o conteúdo estará sob uma nova embalagem.
A arroba passa a ser @bobagensverso — se você não seguia, pode vir chegando. Se já me seguia antes, não precisa fazer nada, você já é de casa.
Na exposição sobre Carolina Maria de Jesus, sinto um vestígio de tristeza em alguns de seus registros. Não sei se tristeza ou frustração. Fico com um ponto de interrogação incomodando. Com o que Carolina se decepcionou?
“Queria fazer algo que dissesse, não importa o quanto você fodeu tudo, ou que erros cometeu durante o ano, sua vida ou a eternidade, que você sempre tem permissão para ser melhor”
— nota escrita à mão por Donald Glover em 2013
⚡️ Não tem graça ver todo mundo usando as mesmas fórmulas preguiçosas para criar uma cena, especialmente quando surge quem faça diferente
💎 Da solidão nasce a escrita, e é Marguerite Duras quem está dizendo
🗣 Belchior mandando a letra: não é porque estou fazendo algo fora do estereótipo que vocês criaram de mim que estou criando algo de pior qualidade
🙃 Imagina ter autoconfiança e malemolência para errar desse jeito
Não foi fácil nem confortável assumir esse ponto de vista sobre passar os anos de formação numa cidade pequena no Centro-Oeste, ainda mais quando histórias sobre essa região são tão poucas — ou tem tão pouca visibilidade. Como se a gente não existisse, ou não merecesse um lugar nosso no mapa da literatura nacional.
Sobre a cidade perdida que reaparece depois de 16 anos do fundo de um lago
Torne-se um apoiador do projeto literário que estou construindo com a minha VIDA e venha para o grupo dos Valekers trocar ideias e figurinhas. É no zap, mas é daora.
Por mais difícil que tenha sido escrever a última edição e me afastar por um tempo, foi um movimento importante para me recuperar e reorganizar as ideias. Não que eu tenha superado totalmente a questão (apenas sobreviver vai exigindo cada vez mais da barrinha de energia), mas as respostas que recebi foram um verdadeiro boost de ânimo e força.
Só tenho a agradecer às pessoas incríveis que minha escrita ajudou a trazer para perto de mim. Obrigada a você que me lê!
É muito valioso encontrar, do outro lado dessa conexão, pessoas que escutam de verdade, que se importam, que oferecem compreensão, acolhem minhas frustrações e cansaço, mesmo quando sinto que não tenho nada para oferecer.
Um salve especial para os Valekers, essa turminha querida e criativa que me mostra diariamente o poder da solidariedade, da generosidade, da gentileza e do cuscuz.
Um beijo e até a próxima,
Aline.
Bom te ler de volta. Adoro suas novidades.
Adorei Aline, é sempre muito bom acompanhar seu trabalho. Amei o vídeo sobre os filmes de comédia! Comecei a ler As cidades afundam ontem, to amando <3