ele foi uma das minhas maiores influências, quando saiu o podcast já senti o peso da decepção, com essa matéria nova só consigo sentir nojo e raiva. essa banalidade, de ser mais um homem abusador em um mundo de homens abusadores, talvez seja a parte mais deprimente. parece que todo dia temos que viver esse luto, que as coisas não mudam.
mas não podemos desistir, né, vamos atrás de novas referências, vamos continuar lutando.
Eu estava pensando nisso hoje, em como as obras dele, sua influência, seu percurso, toda sua trajetória, tá tudo manchado pra mim. E pra sempre. Acredito que nunca mais vou conseguir fruir um trabalho de Gaiman. É mesmo uma questão de luto. Na sexta passada, uma pessoa me disse que os atos de Gaiman se tornam ainda piores pela posição icônica que ele ocupava em mentes e corações de tantas pessoas. É algo assustador, além de ser extremamente revoltante.
O texto que eu comecei a escrever sobre (e que sai daqui a ±15 dias) começava com "Que se foda Neil Gaiman". Já apaguei 80% do que escrevi e coloquei seu texto como referência — você disse, melhor, o que eu queria dizer.
"Antes de você julgar Neil Gaiman, lembre-se de toda a sensibilidade e humanidade em sua obra, a alegria que ela trouxe. Então o julgue ainda mais severamente, porque você sabe que ele sabia como ser uma pessoa decente e escolheu fazer o contrário." !
"Quando uma mulher é violentada, o que se rompe é um pacto civilizatório." !!!
É tão triste que custamos a acreditar, queremos negar ou até ignorar. O luto cria tudo isso... Mas, de volta à realidade, este e os demais acontecimentos em torno das relações abusivas deste tipo específico fez acender o SINAL VERMELHO há muito tempo, mas temos ignorado. Uma nova educação e uma nova saúde precisam dar conta das taras/manias/desvios/canalhices (o que quer que seja!). Temos que fechar esta ||fábrica de desilusão e dor coletiva||.
Oi, Aline! O Gaiman também era um dos meus autores favoritos, sofri muito quando soube das notícias. Mas ao mesmo tempo, sinto que há diversas coisas em jogo e tenho sentimentos conflitantes.
Primeiro, sempre me incomodou o fato do nome dele ter virado quase uma marca de luxo. Eu gosto mesmo de alguns romances e quadrinhos que ele escreveu, mas sempre achei exagerado como se criou essa hagiografia em torno da figura dele – um gênio, um santo progressista desconstruído... Para mim, era apenas um escritor competente. Só.
Por outro lado – e deixo claro que não estou só ignorando as mulheres que o denunciaram –, não consigo fechar os olhos para o timing dessas acusações. Foram divulgadas primeiro num podcast conservador (da irmã do Boris Johnson, praticamente o Trump do Reino Unido) às vésperas de uma eleição... Depois li e reli o artigo da Lila Shapiro e, posso estar sendo trouxa, ou EM NEGAÇÃO, mas muita coisa me pareceu superdimensionada. Por mais que bem escrito, tem intencionalidade narrativa ali, e sinto dificuldade de enxergar tudo como a verdade factual pura e simples. Acredito que o Gaiman foi imbecil, nojento e sim, abusivo; mas não necessariamente na caricatura de um estuprador sádico que violenta alguém na frente do próprio filho de 5 anos. Também acho equivocado equipararem desequilíbrio de poder entre adultos a estupro de vulnerável, e ainda que assim fosse, “monstro” seria um rótulo fácil demais.
Não me sai da cabeça a hipótese de que esse enesimo cancelamento de celebridade supostamente progressista tenha sido orquestrado, e que mais do que cancelar querem é isso mesmo, que enxerguemos tudo através desse viés niilista de direita – que a gente acredite que, no fundo, todo mundo é podre, hipócrita, monstro em pele de cordeiro. Que a sexualidade aceitável se resume aquela que está dentro do círculo mágico da monogamia. Eu rejeito essa narrativa.
Sinceramente, tô pouco me lixando para o Gaiman, mas "monstro" é dar mais glamour do que ele merece, pra mim é só outro macho descompensado. Tirei o que tinha de bom, o resto jogo fora. Enquanto militante marxista, acho que passou da hora de aprendermos a olhar para além de todo esse pânico moral. Afinal, quem faz arte são pessoas, a classe trabalhadora – nem monstros e muito menos as mercadorias perfeitas que querem nos vender.
Eu sequer consigo curtir, muito menos compartilhar. Lembro da minha euforia com a série, das revistas que li e compartilhei, das aulas que ministrei sobre ele e sua obra. Tudo isso... A sensação foi de choque, ainda é. Aprecio sua coragem em conseguir verbalizar. Ainda temos um longo passado pela frente...
Não conhecia a obra dele, apenas sabia da sua existência de nome, eu acho. É triste observar esse ciclo se repetir. Espero que possamos estar escrevendo, discutindo e agindo diferente para mudar algo, ainda que aos poucos. Um abraço
É extremamente difícil para mim separar autor e obra. Não consigo ler Vargas-Lhosa, nem Bradbury porque seus posicionamentos de vida e credos me violentam intimamente. É uma questão pessoal mesmo. Conheço pouco de Gaiman (tenho uma adaptação de João e Maria feita por ele e outro ilustrador que é uma das minhas preferidas), mas o suficiente para parar. Abraço.
Compartilho o sentimento. Eu tinha terminado de ler o livro do cemitério, e imediatamente depois apareceu uma notícia sobre isso. Fiquei com muita raiva dele por estragar tantos momentos bons que a obra tinha me proporcionado, e ainda fiquei com raiva de já ter dado tanto dinheiro pra ele.
ele foi uma das minhas maiores influências, quando saiu o podcast já senti o peso da decepção, com essa matéria nova só consigo sentir nojo e raiva. essa banalidade, de ser mais um homem abusador em um mundo de homens abusadores, talvez seja a parte mais deprimente. parece que todo dia temos que viver esse luto, que as coisas não mudam.
mas não podemos desistir, né, vamos atrás de novas referências, vamos continuar lutando.
Eu estava pensando nisso hoje, em como as obras dele, sua influência, seu percurso, toda sua trajetória, tá tudo manchado pra mim. E pra sempre. Acredito que nunca mais vou conseguir fruir um trabalho de Gaiman. É mesmo uma questão de luto. Na sexta passada, uma pessoa me disse que os atos de Gaiman se tornam ainda piores pela posição icônica que ele ocupava em mentes e corações de tantas pessoas. É algo assustador, além de ser extremamente revoltante.
Concordo. Estou de luto.
O texto que eu comecei a escrever sobre (e que sai daqui a ±15 dias) começava com "Que se foda Neil Gaiman". Já apaguei 80% do que escrevi e coloquei seu texto como referência — você disse, melhor, o que eu queria dizer.
"Antes de você julgar Neil Gaiman, lembre-se de toda a sensibilidade e humanidade em sua obra, a alegria que ela trouxe. Então o julgue ainda mais severamente, porque você sabe que ele sabia como ser uma pessoa decente e escolheu fazer o contrário." !
"Quando uma mulher é violentada, o que se rompe é um pacto civilizatório." !!!
obrigada pelo texto!
É tão triste que custamos a acreditar, queremos negar ou até ignorar. O luto cria tudo isso... Mas, de volta à realidade, este e os demais acontecimentos em torno das relações abusivas deste tipo específico fez acender o SINAL VERMELHO há muito tempo, mas temos ignorado. Uma nova educação e uma nova saúde precisam dar conta das taras/manias/desvios/canalhices (o que quer que seja!). Temos que fechar esta ||fábrica de desilusão e dor coletiva||.
Concordo. Acho que depois que passar essa raiva, choque e tristeza, temos que tentar entender o porque dele ter feito tanto sucesso.
Lendo a matéria da New York Magazine, me parece que ele não tinha sensibilidade, mas sim sabia do que as pessoas gostavam de ler.
Oi, Aline! O Gaiman também era um dos meus autores favoritos, sofri muito quando soube das notícias. Mas ao mesmo tempo, sinto que há diversas coisas em jogo e tenho sentimentos conflitantes.
Primeiro, sempre me incomodou o fato do nome dele ter virado quase uma marca de luxo. Eu gosto mesmo de alguns romances e quadrinhos que ele escreveu, mas sempre achei exagerado como se criou essa hagiografia em torno da figura dele – um gênio, um santo progressista desconstruído... Para mim, era apenas um escritor competente. Só.
Por outro lado – e deixo claro que não estou só ignorando as mulheres que o denunciaram –, não consigo fechar os olhos para o timing dessas acusações. Foram divulgadas primeiro num podcast conservador (da irmã do Boris Johnson, praticamente o Trump do Reino Unido) às vésperas de uma eleição... Depois li e reli o artigo da Lila Shapiro e, posso estar sendo trouxa, ou EM NEGAÇÃO, mas muita coisa me pareceu superdimensionada. Por mais que bem escrito, tem intencionalidade narrativa ali, e sinto dificuldade de enxergar tudo como a verdade factual pura e simples. Acredito que o Gaiman foi imbecil, nojento e sim, abusivo; mas não necessariamente na caricatura de um estuprador sádico que violenta alguém na frente do próprio filho de 5 anos. Também acho equivocado equipararem desequilíbrio de poder entre adultos a estupro de vulnerável, e ainda que assim fosse, “monstro” seria um rótulo fácil demais.
Não me sai da cabeça a hipótese de que esse enesimo cancelamento de celebridade supostamente progressista tenha sido orquestrado, e que mais do que cancelar querem é isso mesmo, que enxerguemos tudo através desse viés niilista de direita – que a gente acredite que, no fundo, todo mundo é podre, hipócrita, monstro em pele de cordeiro. Que a sexualidade aceitável se resume aquela que está dentro do círculo mágico da monogamia. Eu rejeito essa narrativa.
Sinceramente, tô pouco me lixando para o Gaiman, mas "monstro" é dar mais glamour do que ele merece, pra mim é só outro macho descompensado. Tirei o que tinha de bom, o resto jogo fora. Enquanto militante marxista, acho que passou da hora de aprendermos a olhar para além de todo esse pânico moral. Afinal, quem faz arte são pessoas, a classe trabalhadora – nem monstros e muito menos as mercadorias perfeitas que querem nos vender.
É triste ser mulher nesse mundo. É pesado também.
você foi cirúrgica na questão do rompimento do pacto civilizatório. é isso!
Você tem razão. Não creio que piorou com a idade. Sempre foi assim, um canalha! Abr
Eu sequer consigo curtir, muito menos compartilhar. Lembro da minha euforia com a série, das revistas que li e compartilhei, das aulas que ministrei sobre ele e sua obra. Tudo isso... A sensação foi de choque, ainda é. Aprecio sua coragem em conseguir verbalizar. Ainda temos um longo passado pela frente...
Não conhecia a obra dele, apenas sabia da sua existência de nome, eu acho. É triste observar esse ciclo se repetir. Espero que possamos estar escrevendo, discutindo e agindo diferente para mudar algo, ainda que aos poucos. Um abraço
Eu tô muito triste. Era muito fã do Neil desde a pré-adolescência (meu nick no mIRC era ^Sandman^).
Essa semana ainda ouvi o podcast Caso K, que também trata de abusos. Pesadíssimos. Somou-se a matéria. Fiquei muito mal.
É extremamente difícil para mim separar autor e obra. Não consigo ler Vargas-Lhosa, nem Bradbury porque seus posicionamentos de vida e credos me violentam intimamente. É uma questão pessoal mesmo. Conheço pouco de Gaiman (tenho uma adaptação de João e Maria feita por ele e outro ilustrador que é uma das minhas preferidas), mas o suficiente para parar. Abraço.
Compartilho o sentimento. Eu tinha terminado de ler o livro do cemitério, e imediatamente depois apareceu uma notícia sobre isso. Fiquei com muita raiva dele por estragar tantos momentos bons que a obra tinha me proporcionado, e ainda fiquei com raiva de já ter dado tanto dinheiro pra ele.
Quem salva nesse mundo?