Perdi a conta de quantas vezes esta semana vi amigos compartilhando o vídeo do Giannis Antetokounmpo, jogador de basquete, falando sobre fracasso. Em uma coletiva após o time de Giannis ser eliminado, um jornalista perguntou se ele via a temporada como um fiasco. O atleta balançou a cabeça, virou-se para o jornalista e disparou uma resposta afiada, certeira, cirúrgica:
Eric, você consegue ser promovido no seu trabalho todo ano? Então todo ano seu trabalho é um fracasso? A cada ano você trabalha em direção a um objetivo. São passos para o sucesso. Michael Jordan jogou por 15 anos, ganhou 6 campeonatos. Os outros 9 anos foram um fracasso? É isso o que você está me dizendo? Essa é a pergunta errada. Não há fracasso no esporte. Há dias bons, há dias ruins. Ora é a sua vez, ora não é. Você não ganha sempre. Às vezes outra pessoa vai ganhar.
É bonito demais quando alguém consegue articular em palavras tão bem colocadas um sentimento que parece atravessar a garganta de tanta gente. O fracasso tem nos atravessado, é verdade. A sensação de que somos insuficientes, não importa o que façamos. Ainda não chegamos lá. Ainda não foi dessa vez. As métricas esfregam na nossa cara que o que conseguimos é pouco. Sempre pode existir um número maior. Um salário, um lugar no ranking, número de vendas, quantidade de seguidores, volume de prêmios, qualquer coisa que possamos erguer como um troféu para que todos possam ver que vencemos, que nosso trabalho tem valor. E então descobrir que não dura, que mesmo o cara que estava literalmente no lugar de campeão dois anos atrás, hoje é cobrado por não ter vencido de novo.
Ocupar essa posição de sucesso custa caro. Se você não é capaz de permanecer continuamente nessa posição, se as setas dos seus gráficos não sobem infinita e ininterruptamente, você também é um perdedor. Flopou. Desonra para toda sua família, desonra para tu, desonra para tua vaca!
O fracasso paira sobre minha cabeça como uma nuvem pesada toda vez que olho para o que não alcancei na minha carreira. Comparo com o que vejo ser celebrado na mídia. Avalio o quão longe estou desse lugar que parece muito sólido, muito firme, muito fálico, e sou tragada para um vórtice de pensamentos progressivamente mais destrutivos. Não fui um fenômeno no meu livro de estreia. Perdi a vez. Meu tempo já passou. Ninguém vai se interessar pelas minhas próximas histórias. Estou perdendo meu tempo. Está me custando caro demais. Estou fazendo tudo errado. Vou ter que mudar de carreira. O que vou fazer da minha vida agora? Etc, etc. A vista nublada me impede de ver os passos que já dei, a distância enorme que já percorri de onde vim. Uma medida que só eu conheço, que não importa para mais ninguém. Ainda é sucesso se for algo impossível de exibir para os outros?
Passa pela minha tela um post me exortando a aprender com o exemplo de Juliette. Ela sim é uma vencedora. O texto elencava sua jornada de sucesso: "a artista já atuou em várias áreas profissionais, como: cabeleireira, maquiadora, advogada e campeã do BBB 21". Chega cuspi meu café. Eu li isso mesmo? Profissão: campeã. Os milhões de seguidores e milhões de streamings em suas músicas também aparecem em destaque no post, para terminar de pintar a moça como um modelo aspiracional, e assim vender a ideia de que ser um fenômeno absoluto, um rosto conhecido por todos, isso sim é "o" lugar do sucesso.
Minha amiga Jana Viscardi fez uma reflexão tão incisiva quanto a de Giannis: a jornada de Juliette não é um modelo replicável. Juliette ganhou exposição em um dos programas de maior audiência da televisão brasileira, algo que não acontece a todo mundo. Sem tirar o mérito pelo esforço e pelas qualidades dela, é preciso lembrar que todo o sucesso que ela conquistou foi por uma conjunção de inúmeros fatores, muitos dos quais escapavam do controle dela.
Sempre que olhamos para esses fenômenos, alguém que escalou muito rápido ou conseguiu um alcance gigantesco (e parece que no Brasil só é digno de nota quem é capaz de virar o mono-assunto de milhões de brasileiros ao mesmo tempo, seja no esporte, na música, na literatura, nas mídias sociais), o brilho é tanto que ofusca nossa visão para o fato de que há muito por trás desse sucesso: muito investimento, muito apoio, muito trabalho de marketing, muita pesquisa, muito tempo. Não sei dizer por que preferimos pensar que foi mágico, que o sucesso aconteceu do nada, que essas pessoas foram escolhidas. Mas suspeito que essa obsessão por celebrar fenômenos que sejam um colosso, que sejam impávidos, que sejam retumbantes, acaba por cultivar multidões destinadas a um permanente fracasso, porque alcançar esse sucesso é para poucos. Não é uma jornada replicável.
Há também a expectativa de termos uma relação monogâmica com o sucesso, que vai nos suprir em todas as nossas necessidades. Esse sucesso vai nos fazer felizes. Esse sucesso vai resolver nossos problemas. Esse sucesso vai nos fazer ricos. Esse sucesso vai nos fazer sentir amados. Quando, na realidade, se pudéssemos olhar de perto para a vida dessas pessoas que acreditamos terem "chegado lá", também veríamos infelicidade, insatisfação, um novo mundo de problemas para resolver, inseguranças, falta de dinheiro, até mesmo a permanente sensação de continuar um fracasso.
De tanto olhar para a nuvem escura sobre minha cabeça, começo a pensar que todo esse tempo estive sofrendo por uma medida de sucesso que não fui eu quem coloquei ali, por um desejo que nunca foi meu. Claro! Como não consegui ver? Eu não escrevi meu primeiro romance com o objetivo de ser um fenômeno. Eu escrevi meu primeiro romance porque eu queria aprender mais sobre o oceano. Tudo o que escrevo é orientado pelos temas que me despertam interesse, obsessão — e escrever é minha forma de mergulhar neles. Foi assim com os livros, foi o que me levou a fazer o podcast. Então me dou conta de que sucesso, pra mim, é poder estar em posição de aprendizado. Aprender é o que me inquieta, o que me movimenta, o que alimenta a minha fome de trazer o mundo para dentro de mim.
Desde muito nova, quando meu pai repetia incessantemente o conselho "estuda, moça, estuda", tenho me agarrado a esse objetivo como uma bússola. Mesmo quando eu não tinha nada, eu tinha vontade de aprender. Mesmo que eu perca tudo, que o número de seguidores desapareça, que não me chamem mais para trabalhos, que eu seja cancelada e esquecida, que eu fique sem dinheiro, as coisas que aprendi ninguém vai poder tirar de mim.
Afinal, eu posso caminhar em direção a um sucesso que não é o dos fenômenos. Que para mim não faz muito sentido, na real. Enquanto eu estiver aprendendo, e poder dividir isso com quem se interessa, sinto que estarei sendo bem-sucedida. Eu não preciso ser a Juliette para isso.
Claro, essa é a minha perspectiva. Não precisa ser um modelo replicável. Aliás, por que tudo precisa ser? Qual é a sua ideia de sucesso?
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Um beijo e até a próxima.
Beijos retumbantes,
É até engraçado que, na minha escrita, minha ideia de sucesso é ser como uma Aline Valek. Seu trabalho me inspira muito, principalmente porque me sinto conectada à ele. Eu me vejo nele de alguma forma, sabe? E isso pra mim é sucesso demais.
É foda o quanto essa lógica externa tenta nos convencer de que sucesso é só o que dá lucro pra quem já está no topo. Mas não. Sucesso é aprender e ensinar. Sucesso é se conectar com as pessoas do outro lado da tela. Sucesso é humanizar. Isso não só é o que vejo no seu trabalho, mas é também o que me inspira a escrever. E só tenho a agradecer por ter aprendido tanto com vc ❤️
Pra você ver a ironia dessas definições, o seu nome é um dos que me vem à cabeça quando tento pensar quem "chegou lá pra valer" na literatura. Realmente a medida do sucesso é feita por múltiplas réguas individuais, mas no nosso caso ainda tem mais uma diferença em relação ao atleta: o sucesso dele é o fracasso do outro. Na arte sinto que muitas vezes se pode ganhar junto, em/como comunidade. Então pra mim o "sucesso" tem sido medido mais ou menos assim, em fazer crescer e me integrar à comunidade e em conseguir emocionar as pessoas com minhas histórias.