Bentinho,
nós dois sabemos que a melhor forma de esconder algo é deixando bem à vista. Por escrito, até. Porque as pessoas preferem evitar a fadiga de ler, se leem não prestam muita atenção, se prestam, olham para os lugares errados. Mas o que se escreve, não se escreve por acaso. Duvido que você tenha escrito esse baita calhamaço apenas para sustentar uma suspeita que não é mais sólida do que neblina pairando no ar.
Acreditar nisso seria subestimar muito a sua formação em Direito. Como peça de acusação, seria ridículo apresentá-la em qualquer tribunal. Não passaria dos choramingos de um homem que acha que a mulher o traiu com o melhor amigo, mas simplesmente não tem evidências de nada, fora as vozes de sua cabeça. Ainda assim, mais de século depois, a pergunta que continua a ecoar é: Capitu te meteu uns chifres ou não?
Juro para você. Pelo menos uma vez por ano as pessoas discutem isso na internet. O que faz com que, daqui de onde escrevo, você não seja visto com muita simpatia. Ciumento, ridículo, paranoico, corno, tóxico, só para citar os epítetos mais leves. Nada fora do esperado para quem há muito tempo está acostumado a receber apelidos tipo "casmurro", certo?
Embora a hipotética infidelidade de Capitu tenha estado sob os holofotes e minuciosas lupas de gerações de leitores, porque ambiguidade é um bichinho que desperta as mais profundas coceiras, entendo que Capitu não é o foco da história, que o foco aqui é você, sempre foi. Claro, está no título do livro!
Por isso acredito que a pergunta que importa não é se Capitu te traiu ou não, mas sim: o que te deixou tão casmurro na vida? A mim parece que é esta a história que você conta.
Então não, não é uma peça de acusação. É um termo de confissão.