Olá, navegante! Essa é a edição de Uma Palavra em que te levo para passear pelas referências e indicações que tenho oferecer à sua navegação esta semana. Prefere mergulhar em um dos meus ensaios? Você pode se jogar no oceano do não-saber, edição da semana passada.
Um retrato costurado do Suriname
"Essa exibição contém imagens de violência que é inerente ao colonialismo e à escravidão": não é o tipo de aviso que se espera encontrar em uma exposição de bonecas de pano.
Mas as bonecas de Rita Maasdamme, artista nascida em Aruba, por mais delicadas que sejam em seus Koto (vestidos tradicionais usados pelas mulheres afro-surinamesas), foram criadas com o propósito de contar a história da colonização do Suriname, de Aruba e Curaçao pelos holandeses. Uma história cheia de brutalidade e exploração, como sabemos bem pelo nosso próprio passado.
Me envergonho ao perceber que eu nada sabia sobre o Suriname, nosso vizinho de América do Sul, até descobrir o trabalho de Rita, em exposição no Amsterdam Museum. Ela criou mais de 200 bonecas de pano, cuidadosamente costuradas à mão, para compor dezenas de dioramas — paisagens que reconstroem com uma riqueza de detalhes várias cenas do passado colonial desses países caribenhos.
Aprendo que o Suriname é um país onde se fala holandês. Aprendo que além dos indígenas e dos descendentes de africanos que foram escravizados, os Maroons, o Suriname recebeu uma enorme população de trabalhadores chineses, indianos e javaneses, trazidos das colônias das Índias Orientais Holandesas. Toda uma diversidade que Rita registrou em suas bonecas, que também reencenam a história da produção cultural surinamesa, na música e na moda. Não foi só nas narrativas de opressão e horror que encontrei semelhanças com o Brasil.
Filha de costureira, Rita costurava e fazia bonecas de pano desde criança. Aos 19 anos, foi estudar moda em Amsterdam. Trabalhou mais de 20 anos como professora de artes visuais em escolas de ensino fundamental de Amsterdam, até começar a se dedicar ao seu trabalho artístico.
"Sempre fui boa com agulha e linha. O que vi minha mãe fazer quando criança, desenvolvi na escola de moda e depois apliquei na confecção de minhas bonecas."
— Rita Maasdamme, nessa entrevista (em holandês)
Nos anos 80, Rita começou a criar as bonecas depois de fazer uma extensa pesquisa histórica sobre o folclore, a cultura e a história das antigas colônias holandesas no Caribe. A minúcia da sua pesquisa ficou estampada no figurino das bonecas, que traduzem o retrato de cada época, de cada grupo étnico que compõe o povo do Suriname.
O cuidado com que as roupas foram feitas, os detalhes das bonecas, que têm dedos, unhas, sobrancelhas, expressões cuidadosamente modeladas em tecido, é um negócio impressionante.
Desde que começou a expor seus dioramas, Rita fazia questão de estar presente para conversar e chamar a atenção para a história contada por suas bonecas — e levantar discussões sobre colonização em uma época em que o tema não era tão discutido.
Rita Maasdamme faleceu em 2016, mas continua a ensinar muito através das criações que ganharam vida com sua agulha e linha. Inclusive a lição que, quando alguém deposita tanta atenção e cuidado em uma obra, é para ter certeza que a história que ela conta não seja esquecida jamais.
Saiba mais sobre a coleção de Rita Maasdamme aqui.
Agulha e linha
Conversa bem com o trabalho da Rita Maasdamme esse vídeo curtinho sobre a agulha como uma tecnologia usada (principalmente por mulheres) há pelo menos 30 mil anos:
Feliz dia do seu nome!
Descobri que aqui no estado da Baviera (assim como em outras regiões da Europa), as pessoas comemoram não só o aniversário, mas também o Namenstag (o dia do seu nome). Não que façam uma festona, mas é um dia para celebrar com os amigos, comer um bolinho, receber ligações e mensagens da família com desejos de felicidade.
É uma tradição mais antiga, coisa de cidades mais católicas, como é o caso de Munique. Já foi algo muito importante, hoje nem tanto (assim como o catolicismo). Antigamente, o dia de nomes muito populares acabava virando feriado. Por aqui, esquecer o dia do nome da sua Oma (vovozinha) é ainda pior do que esquecer o aniversário dela!
Claro que vou atrás de saber qual é o dia do meu nome. Ter não apenas um, mas DOIS dias no ano consagrados à minha pessoa? Topo. Gosto da ideia de ter um dia que posso transformar em feriado pessoal. Engraçado é que meu Namenstag cai no dia 28 de agosto, quase um mês depois do dia do meu Geburtstag. Fácil de lembrar!
Será que o seu nome tem um Namenstag aqui na Alemanha?
Você não merece descansar. Você precisa descansar
"A forma rabínica tradicional de explicar o Sabat é que existe uma série de regras, de um tipo de trabalho que você não faz, já que esse tipo de trabalho está agindo sobre o mundo. E o Sabat é o momento em que você deve parar de agir sobre o mundo. Você deve parar de fazer coisas para construir outras coisas. Você deve deixar o mundo descansar, assim como você."
Essa é uma citação da autora Judith Shulevitz, que ouvi em um episódio muito necessário sobre descanso, do podcast Tecnocracia. Recomendo parar tudo e ouvir esse episódio. Assim como recomendo, com alguma frequência, parar tudo. Não se preocupe, o mundo vai ficar bem sem a sua interferência contínua.
Como cultivar um jardim
Essa eu dedico para você que está começando uma newsletter: algumas das escritoras que mais gosto de acompanhar via newsletter compartilham um pouco de suas experiências e descobertas sobre como formar um público leitor. Consigo me relacionar muito com as respostas, que vão mais no sentido de entender que, ao escrever newsletters, estamos criando uma relação com quem lê, ao invés de simplesmente ficar pirando em crescer e inflar números.
Eu prezo mais por manter a rede que eu construí do que aumentar, prezo mais pelo meu conforto com o volume de trabalho do que por métricas.
—
, autora de Outra Cozinha
O flautista de Hamelin da libido ocidental
Você deve conhecer esse famoso conto de fadas alemão, em que um flautista usa seu instrumento encantado para atrair os ratos para fora de uma cidade, mas, quando leva um calote, se vinga encantando todas as crianças e as leva embora de Hamelin para sempre.
Pois bem. É assim que nos sentimos quando Pedro Pascal toca sua flauta: encantados, enfeitiçados, rumo à perdição. Quem cunhou essa metáfora maravilhosa do título foi
, em uma edição da sua newsletter Cinco ou seis coisinhas. Eu ri muito, ainda que o texto traga uma incômoda provocação: vamos desdaddyficar Pedro Pascal?Sim, quem me conhece sabe. E adoro que saibam, muito antes de virar modinha, que Pedro Pascal mexe comigo. Seu carisma, seu charme, seu sangue latino. Mas preciso concordar com Júnior que todo esse excesso começa a esvaziar a imagem do nosso queridinho.
"Porque sejamos sinceros, por mais carisma e charme que ele possa ter, já é meio ensaiada essa reação 'nossa, eu, que nada, eu nem sou tudo isso'. tem cheiro de assessoria por trás, monetizando essa reação."
— Trecho do texto Para Pedro, Pedro para
Polêmica! Escândalo! Pois leia lá o texto inteiro. Mas se você discorda e acha que está pouco de Pedro Pascal, deixo aqui o nosso muso comendo frango frito e engasgando com pimenta no melhor programa de entrevistas da internet:
11 níveis de cigarra
E se eu te disser que fiquei hipnotizada por um vídeo em que um físico faz origamis de cigarra?
O cara começa com uma dobradura bem de boa, que eu mesma conseguiria fazer da minha casa. E então a coisa vai progredindo a um nível de detalhe e realismo que é inacreditável que o resultado seja feito de papel.
Também adorei aprender que cada forma de dobrar o papel tem um nome técnico, como uma crimp fold ou uma closed unwrap. Não faço ideia se esses nomes têm tradução para o português, mas se você manja de origami, me conta nos comentários!
Acabo me empolgando além da conta quando venho dividir o que achei de legal. Mas espero que tenha encontrado nesta edição algo que valha um mergulho mais profundo. E se gostou de algo, você pode espalhar:
Vejo você na próxima edição?
Beijos artesanais,
aline, eu amo como você escreve sobre nada com tanta propriedade.
explicando: se alguém me perguntar sobre o que era essa edição da news, eu diria que não é sobre nada. e imagino que se alguém já perguntou sua linha de pesquisa ou sua especialidade na escrita, talvez você não saiba o que responder.
mas ao mesmo tempo, esse "nada" é sempre bem embasado com pesquisa muito curada. não é apenas um vídeo de origami com um comentário "olha isso que legal!", é uma contextualização sobre aquele assunto, achados da sua pesquisa, e traz ainda como aquilo te afetou.
de todo o lixo que a internet tem, você garimpa coisas boas e traz pra cá com muito carinho.
a internet está cheia de links, mas poucos lugares trazem o link com algo que o torna realmente atrativo, não apenas um título.
Adorei as costuras dessa news!
Também só fui aprender sobre o Suriname pelos olhos do colonizador quando estive em Amsterdam. Não me lembro se na época já tinha esses dioramas, mas mesmo assim gostei de reaprender sobre eles pelo seu olhar.
Achei legal essa história do Namenstag! Se eu fizer a média de Louise e Luise de acordo com essa lista, o meu seria 15 de março, que já passou. Segundo o Google é dia de São Longuinho, o que me parece apropriado. Vivo encontrando coisas pras pessoas.
Eu adoro origami, mas parei meu aprendizado no tsuru, o pássaro da felicidade. Nunca soube se essas dobras tinham nome, se um dia tiver que traduzir to lascada