Nasci em outro século. Em outra era. Em outro mundo. Antes de chegar aqui, tive que meter a caneta em muita fita cassete para enrolar de volta a parte mastigada pelo aparelho de som. Não foi fácil. Mas ouvindo conselhos do próprio He-Man aprendi a sobreviver. Aprendi, em uma realidade onde um Ctrl + Z era impensável, que tudo tinha um jeito, ainda que o Liquid Paper deixasse as marcas dos nossos erros no papel.
Sou feita de coisas que não existem mais. Sou feita de fazer cartucho funcionar na base do sopro. De ter que pesquisar na Barsa e copiar, ipsis literis, a vida de Dom Pedro de Alcântara para o meu caderno Click com a Ana Paula Arósio na capa. De trocar papel de carta com as amigas. De gostar de prova só pelo cheirinho de papel mimeografado.
Vim de um mundo onde não era preciso escavar para encontrar dinossauros: eles vinham em revistas. Juntei ossos e montei meus próprios esqueletos jurássicos em casa — e eles brilhavam no escuro. Vim de um mundo onde o status era medido pela quantidade de Tazos que você tinha. Ou pela quantidade que você conseguia derrubar em uma única tacada.
Tudo o que importava podia ser lido na revista Herói. Tudo o que interessava podia ser visto na Manchete, em tardes que faziam o sorriso brotar nos lábios com bigode de Quik. Mas nem tudo era Rá-tim-bum. Havia o submundo das coisas proibidas, e os mais ousados se aventuravam a dar uma espiada nas moças Tutti-Frutti fazendo strip-tease no Cocktail. Mas poucos tinham coragem de encarar o Cine Trash; nada podia ser mais terrível que o Zé do Caixão. Ele aparecia nos meus piores pesadelos.
Assisti ao mundo que eu conhecia ser extinto e substituído por outro. Sem vinis coloridos, sem Bebeto como herói da seleção, sem Cruzeiros Reais, sem a necessidade de rebobinar um filme depois de assistir.
Tive que me moldar e me adaptar, como uma Amoeba, a uma realidade em que não era mais estranho mover o corpo todo para jogar videogame, embora fosse motivo de zoação, antigamente, alguém acompanhar com o controle o pulo do Sonic ou o kart do Mario fazendo curva.
Hoje pesquiso na internet com a mesma facilidade com que antes eu resolvia as atividades do Almanacão de Férias da Turma da Mônica. Hoje habito um mundo diferente. Mas meus joelhos calejados de LEGO não me deixam esquecer de onde vim.
Texto que escrevi originalmente em 2012 e que já foi publicado em alguns livros didáticos, provavelmente para mostrar às crianças como era a infância dos antigos.
Hoje em dia dizer que tem um blog soa tão vintage quanto dizer que tem uma vitrola. Mas já passamos há tempos da fase de aceitar que sou mesmo uma hipster sem vergonha, de modo que posso dizer que, nos últimos dias, estive reformando meu blog. Dá uma olhada como tá ficando.
Mexi na estrutura, troquei a fiação, ainda tenho alguns cabos para conectar para tudo funcionar direitinho. Ter o seu próprio site envolve muito trabalho braçal, constante manutenção, assistir horas de tutoriais sobre css, e depois contratar alguém que realmente sabe o que está fazendo para resolver os problemas que você mesma criou.
Este é o custo de manter um espaço na internet do jeitinho que você quer, diferente de uma plataforma alugada, como as redes sociais e o próprio Substack, onde você precisa se contentar com um espaço padronizado e sem personalidade alguma, como se todo mundo morasse nos mesmos quartos de hotel e a única coisa que mudasse fosse a cor do lençol.
A manutenção também vale a pena para preservar esse pedaço de território digital que vem da primeira década deste milênio. É quase uma peça de museu. Ele vem de uma época em que o orkut estava prestes a ser orkutizado, você podia fazer a tela tremer para chamar a atenção de alguém, e a putaria rolava solta no Tumblr.
Lembra de quando o Google Reader existia? De responder perguntas de anônimos no Formspring? Que todo mundo corria para ver o clipe do Ok Go? Que a Geisy Arruda foi expulsa da Uniban? Que você só tinha 140 caracteres para expressar seus pensamentos? Do golpe do RT falso? Tudo isso enquanto o trema saía da linguíça e o acento saía da ideia no Novo Acordo Ortográfico. Feeling old yet?
Esse tempo acabou e não volta mais. Ainda bem.
Por mais que olhar para essa época me deixe saudosa de um mundo onde as bizarrices da internet tinham uma escala reduzida e o algoritmo ainda não dominava nossas vidas, é bom ver isso do retrovisor, sabendo que ainda vamos alcançar paisagens mais doidas, muito mais rápido do que imaginamos.
Sinal de que estamos sobrevivendo a um mundo em turbulência em meio a mais uma revolução tecnológica, o que não é pouca coisa! Posso comemorar: continuo no jogo para continuar imprimindo meu pensamento nesses textos, só para que, no futuro, eu possa revisitá-los e me encher de nostalgia enquanto penso, cheia de ternura por uma Aline que não existe mais: ô bicha...
Me conta: o que faz você sentir nostalgia?
"Nostalgia é notícia velha quando se trata de cultura: estamos continuamente reciclando o passado. O que muda de uma era para a outra é nossa atitude em relação a olhar para trás, e, quando os tempos ficam difíceis, as lembranças tendem a ser cor-de-rosa.
A reverência à nostalgia tem vindo à tona nos últimos anos, a ponto de a recordação ser tão descaradamente afetuosa que beira à cópia. Parece que agora estamos no negócio não apenas do pastiche, mas da verdadeira recriação — digamos que menos show de drag e mais banda cover.
Nos piores momentos, podemos nos perguntar se a popularidade dos livros de colorir para adultos apontam para uma crise criativa maior — ou, pelo menos, uma crise de evolução.
Há uma teoria conhecida como ‘universo em bloco’, que sugere que o presente não fluiria continuamente como um rio em direção ao futuro. Em vez disso, o tempo estaria congelado, com um passado, presente e futuro igualmente reais. Tal teoria oferece outro intrigante argumento para nossa corrente onda de nostalgia: a de que talvez os erros do passado ainda estão acontecendo e podem ser corrigidos (ou, como o filme A Chegada sugere, aqueles do futuro podem ser evitados).
William Faulkner, um escritor que é revisitado infinitas vezes, deu uma declaração premonitória quando escreveu, em 1951: ‘O passado nunca está morto. Nem sequer é passado’.”
— Trechos do texto “We’re living in a copycat culture”, de Sadie Stein, publicado em janeiro de 2017 no New York Times. Tradução livre minha.
A saudade tem a esperança de que as coisas voltem a ser como antes. A nostalgia tem certeza de que nada voltará a ser como um dia já foi.
Links, como nos velhos tempos
Eu e a brisa, uma HQ da
com cheirinho de anos 90Nostalgia pode ser tóxica dependendo da dose, escreveu
Uma pesquisa ilustrada do The Pudding mostrando como músicas nos dividem em gerações
Alguns gráficos para ficar desesperado com a passagem do tempo
De volta no túnel do tempo: lembra quando o futuro era imaginado como uma vinheta do Hans Donner?
Nos capítulos anteriores...
Mandaram avisar: vão matar o Pocket. Era o site que eu usava para salvar os links que me chamavam atenção — muitos dos quais eu vinha aqui compartilhar com você.
Para onde vou levar o que eu salvava ali, não sei. A vida de quem mora na internet é com frequência ter que arrumar seus trapinhos e procurar outro lugar para se acomodar. Se você é novo aqui, vai acostumando. Ou melhor, acostuma não, que logo você vai ter que se levantar daí e procurar outro endereço.
Revisito meu precioso acervo antes de exportar tudo. O engraçado é ver quanta tralha eu juntava ali. Textos que eu salvava para ler depois e nunca mais voltava a ver. Vários links quebrados apontando para páginas que já não existem mais, vídeos retirados do ar, textos indisponíveis. Já nem lembro mais sobre o que tratavam. O “salvar para ler depois” é uma ilusão.
Quando releio meus textos mais antigos, me deparo com o mesmo: links que apontam para páginas que não existem mais, referências que não fazem mais sentido, um rastro de lacunas. Talvez esses buracos sejam as bordas puídas dos arquivos digitais, um vestígio do desgaste do tempo. Significam algo, na medida em que mostram ao leitor que aquele texto pertence a outro tempo, a um contexto que não é possível recuperar, não por inteiro.
Compartilhar na newsletter os links que me interessam acaba sendo minha tentativa de criar registros sobre os caminhos que percorro, na internet e fora dela. Uma tentativa inútil: tudo que posto aqui, mais cedo ou mais tarde, também vai caducar.
A internet parece ser o grande monumento dos nossos tempos, mas esfarela com uma facilidade absurda.
Estamos escrevendo nossa história em areia. Enquanto escrevemos o final da frase, o início dela já foi apagada pelo vento. Em um futuro próximo, se tivermos sorte, vão nos restar ao menos as memórias de termos vivido juntos essa maluquice.
Já faz uns bons anos fiz pela última vez minha habitual pesquisa para conhecer melhor quem me lê. De 2022 para cá, chegaram milhares de pessoas nesse meu espaço, então acho que é um bom momento para puxar esse censo de novo. Minha mãe me ensinou a não ficar falando com estranhos!
Não escrevo para números, para taxas de abertura, para curvas num gráfico. Escrevo para pessoas. Então as suas respostas vão me ajudar MUITO a entender para quem estou escrevendo. A única finalidade dos dados que coleto aqui é tornar essa relação mais humana.
Se você chegou agora ou se já está comigo há muitos anos, deixo aqui meu pedido: me empresta alguns minutinhos do seu tempo para responder à pesquisa? Só clicar no botão abaixo:
Nos vemos na próxima edição, em que posso adiantar que já não seremos mais os mesmos.
Beijos nostálgicos,
Amiga, estamos mesmo todos morando de aluguel nessas plataformas 🥹 você matou a pau com essa analogia!
Obrigada por compartilhar minha HQ 💕 bom demais ser valeker
sinto falta de baixar musicas em massa no Ares
do fotolog
do last fm
e das fotos de qualidade péssima que eu postava no instagram.